Perdão - Observando a morte
Um gatinho descansando na calçada. Me aproximo: parece dormir. Olhando mais atentamente, vejo uma manchinha de sangue ao seu lado e uma marca profunda em seu pescoço. Ele deve ter uns dois meses. Não está dormindo, mas está em sono profundo. Tão frágil, que dá vontade de dar um abraço. E um beijo. Tão pequenino... está sozinho e, provavelmente, em sua última hora, também estava. Um cão, talvez seduzido por sua fragilidade, pegou-o pelo pescoço, e, assim, fácil, rápido, tirou-lhe a pequenina vida. Talvez tenha sido sem intenção. Não parece que ouve violência maior - do que a privação da vida. Talvez toda a violência não possa ser vista marcada em seu frágil corpo. Talvez esteja apenas em sua memória. Seus olhinhos fitam o horizonte na amplitude em que sua íris enxerga. Eternamente olhando uma direção. Olhos secos, olhar úmido. Quase posso sentir seu sangue e seu cheiro doce. Sangue não sujo, seco na calçada. Se eu o pegar no colo e acaricia-lo, será que me sentirá? Deixo-o no local, sozinho novamente. Pensando na mãe que não está lá. Pensando nele, que não está mais lá. Penso em encontrar mais gatinhos. Como ele. Ainda não provei aquele doce sangue perfumado. Que a essência abandonou e agora não passa de sangue oco, sem dono, sem substância: sem vida.