VERDE POR VERDE, PEDRA POR PEDRA...

A quem ama a natureza, essa triste crônica sai dos meus olhos e das informações que obtive.

Era um final de semana como outro qualquer, dum sol tímido de outono a despertar a vida da cidade, quando eu, na qualidade de mera munícipe, me dirigi àquele “micro bioma” maravilhoso ora em féretro, cravejado na megalópole Sampista, e que aqui inspira minha crônica numa seqüência de fatos históricos recentes que nos faz refletir dentre lágrimas.

Seria impossível retratar, em poucos linhas, a história"oculta'' dum hoje parque urbano, de belos resquícios da riquíssima mata atlântica quase perdida, parcos alvéolos da cidade sofrida, cujas espécimes ali hoje nos lembram um triste museu ecológico que tenta, às duras penas, se recuperar de tantos danos; aonde o canto desesperado dos pássaros se mescla com os ensurdecedores sons das betoneiras que retroalimentam a construção civil ao derredor, delas sendo o mais fiel “garoto-propaganda” da beleza morta que encerra e que vende sonhos duma vida saudável, parque que ilustra todos os folders dos grandes empreendimentos imobiliários das grandes construtoras do país, e que também remonta a História, a duma antiga fazenda do bairro, cujas edificações semi-preservadas nos contam da era escravagista duma ex- propriedade “rural-urbana” da família Pignatari, e cujo projeto paisagístico foi elaborado por quem dá o nome ao local: o consagrado artista Burle Marx.

O JARDIM XADREZ , as PALMEIRAS IMPERIAIS, e o CHAFARIZ EM ESPELHO , estruturas que enfeitam o castelão recentemente embargado e já liberado nas suas aceleradas obras de hotelaria de alto luxo, se contrastam com a senzala decaída, hoje ocupada por árvores de raízes comprometidas que brotam do seu teto, que tentam um explícito renascer a gritar o oculto desprezo pelos nossos urbanos patrimônios: histórico, artístico e ambiental.

É preciso um trabalho de "arqueologia sensitiva" para se detectar a tamanha destruição do todo...por ali.

O parque, cuja responsabilidade administrativa dança conforme o vento dos interesses das horas (ora a responsável é a prefeitura, ora uma fundação que ali se anuncia como preservadora do local-MAS, COM TODA CERTEZA, O PARQUE É PÚBLICO!)- ele sequer sonharia com seu destino vandalizado, tão triste, palco dum abandono metafísico, uma vez que lá, quem o adentra, não perceba, a princípio, toda sua triste história contemporânea ali escondida, emoldurada pela “natureza-fênix”, de resiliência invejável, e que daqui a breve tempo será o cartão de visitas do primeiro hotel seis estrelas de que se tem notícias por aqui.

Talvez o fato glamoroso, paradoxalmente, salve o Burle Marx da morte definitiva...quem sabe.

Em vinte e um anos de existência,desde a sua inauguração em 1995, tempo que o acompanho “verde por verde, pedra por pedra”, vi muito do tudo que aconteceu por ali: mega festas de casamentos do que se costuma chamar “daselites”, mega eventos televisivos e das demais mídias de quem delas vive na região, estúdios fotográficos, stands de vendas da construção civil, feira orgânica, exposições e serviços “de um tudo!”...a despeito do seu estatuto que proíbe, desde quaisquer comércios, bikes e animais, até meros pic-nics.

Digo que em questão de horas já presenciei a troca do cenário ecológico pelo requintes das decorações dos “buffets” , aonde os altos e seculares “paus- ferros” se tornariam pedestais naturais das pesadas luminárias e alto- falantes que, logo mais a noite, iluminariam o sossego do micro bioma e tremulariam o asfalto lá fora; e assim, o artístico palco do paisagista Burle Marx , em especial o Jardim Xadrez e a fonte em espelho (aonde se avisa “é proibido nadar!”), UM RICO PATRIMÔNIO DA CIDADE DE TODOS se prestaria aos tapetes dos glamorosos saltos que ali desfilariam nas noites de GLAMOUR para as fotografias das posteridades vazias.

A que preço todos já sabemos.

Resumo que, depois das festas, quase todas as árvores vieram ao chão num período de dois anos (-coincidência?) só não sei dizer o papel participativo das festas na decadência do todo e das árvores gigantescas que caíram pelas madrugadas afora (sempre culpa da natureza!mas tal diagnóstico talvez coubesse ao IBAMA) e que, por milagre dos céus, nunca fizeram vítimas, a despeito de, na forte queda, os paus- ferros cortarem os bancos de concreto ao meio, os destinados a assentar os usuários do parque.

As árvores, “cupinizadas” viraram bancos e playgrounds...(que levam placas de artistas!) todavia, hoje se esfarelam ao ar livre por falta de manutenção através do tempo, algo que todos podem ali conferir.

Vi tartarugas do lago, apressadas, fugirem do cenário das festas a desistirem de colocar seus ovos na terra.

Vi moto-serras derrubarem árvores sadias em poucos segundos...

Vi caminhões carregados de toras...

Mas a tragédia do Burle Marx não pararia por ali: naquela manhã do início do meu texto, soube que o Tucano que ali pousava havia "sumido" pelas mãos do Homem.

Há tempos os esquilos desapareceram.

Os pica-paus já não têm muito a picar: seus lares desabaram em massa por ali.

Os macaquinhos nunca mais apareceram para quebrar galhos ecologicamente.

A garça branca e o mergulhão, usuários comilões tão perenes do lago, sumiram do palco aonde, naquele dia, eu percebia algo estranho: a água estava visivelmente morta.

Não havia tartarugas visíveis e as carpas boiavam na superfície do lago, cujas águas brotam duma ínfima nascente localizada no cerne da ex-mata.

Todo o ecossistema estava alterado: o Martin- Pescador não tinha mais o que pescar.

Alterava-se toda a cadeia alimentar daquele tão belo e delicado ecossistema urbano.

Os cisnes negros e os irerês migratórios, de coloridos maravilhosos, não assinavam a lista de presença naquele féretro da natureza morta a olhos nus...

Conversando com funcionários dali soube que a construção civil ( a do hotel- segundo informações confiáveis)- havia contaminado os lençóis naturais com produtos químicos advindo das lavagens da construção hoteleira.

Corriam para recuperar o estrago.

Contaram-me que trezentas carpas morreram e tantas outras tilápias que posteriormente foram ali colocadas na tentativa frustra de salvar o lago.

As tartarugas são mais resistentes aos danos em série: se escondem no fundo da água pútrida e mal cheirosa e só saem se o sol ali conseguir adentrar.

Na semana seguinte ao que constatei, grossos tubos de PVC branco tentavam trazer água nova da construção para dentro do lago, numa vazão de alto fluxo, todavia pouco adiantou, acredito eu que, pelo teor de cloro da água tratada, não se recompõe o bioma natural.

Ontem, ao “ re-olhar” o lago, percebi que continua sujo e desvitalizado, absorvendo as carcaças tantas árvores que tombaram dentro dele em mutirão , as que agora e gentilmente, se prestam ao milagre do rebrotamento de bromélias e demais flora à fauna que chora de agonia, assim como eu.

Relato que dei por falta dos exuberantes cisnes negros e perguntei sobre eles a quem de Direito.

O que ouvi:

“Senhora, dia desses furtaram os cisnes. O Martim- Pescador e os Irerês foram encontrados mortos por estilingada. O parque está abandonado”.

O estado de abandono da vigilância pelo tempo, inclusive, promoveria todo tipo de vandalismo físico e ambiental ,dentro e nos arredores do parque, até a colocação de fogo na mata, o que visualizei um dia, passando por ali.

Digo-lhes que nem todas as palavras do mundo figurariam minha tristeza a aqui gritar por socorro ao parque Burle Marx, só mais um equipamento público ambiental que pede por olhos misericordiosos.

Apenas relato que fiz meu papel cidadão: registrei o ocorrido em texto e em imagens e os encaminhei ao futuro.

Quem, afinal, é o responsável pela tragédia ambiental do parque Burle Marx?

Que Deus nos ajude a encontrar uma pronta resposta...porque o parque não pode mais esperar.

Termino minha crônica parafraseando a mesma pergunta que ÉRICO VERÍSSIMO um dia se (e nos) fez em verso:

“de que serve construir arranha-céus, se não há mais almas humanas para morar neles?”

Eu também aqui nos repergunto:

“de que serve construir um grande hotel, se não há mais consciência humana ambiental para se hospedar nele ?”

Sem verde a vida sobreviverá sob pedras?