COITADISMO VENDE MAIS
Crônica de Gustavo do Carmo
Estava na lanchonete, comendo o meu pastel de camarão, pensando nos meus problemas, nas minhas inseguranças, quando fui abordado por uma voz sôfrega:
— Tio, compra uma bala para me ajudar comprar comida?
Virei para ele e disse, enquanto sacava o meu porta-níqueis e catava algumas moedas.
— Compro sim. Pra quem está vendendo alguma coisa eu faço questão de ajudar. Eu só não dou esmola. O que você tem aí?
— Três jujubas por um real. Mas eu não peço esmola não, tio.
— Eu sei. Ainda bem. Continue assim. Toma dois e me dá seis. Só deixa eu te dar um conselho? Não fica vendendo com essa voz de coitado, não. Assim você assusta quem quer comprar.
— Como é que eu vou vender tio?
— Faz pregão.
— O “qui” que é pregão, tio?
— Anuncia as suas balas como um vendedor, não como um coitado. Fica gritando com as balas no alto: “Três jujubas, um real. Três jujubas, um real”.
Depois que eu comprei seis jujubas e lhe dei o dinheiro, o vendedor, aparentando 15 anos, me agradeceu:
— Deus lhe pague, tio.
Um mês depois, eu estava na mesma lanchonete, na mesma banqueta, só que comendo um pastel de carne, quando fui abordado pela mesma voz sofrida:
— Tio, compra uma bala para ajudar eu a comprar comida?
— Compro sim. Pra quem está vendendo alguma coisa eu faço questão de... Ué? Não foi pra você que eu aconselhei a não vender com essa voz de coitado?
— Ah, tio! Eu tentei. Mas da forma que tu falou não vendi nada. Tiro mais dinheiro me fazendo de coitado. As pessoas falam exatamente igual a tu: que só ajuda porque eu estou vendendo e não estou pedindo esmola. Por isso que eu vendo mais.
Resignado por entender que “coitadismo” vende mais, fiquei quieto. Comprei mais seis jujubas. Sem dar nenhum conselho, nem antes, nem agora. Esse diálogo nunca aconteceu. Sou muito tímido para dar conselhos assim. O máximo de ousadia que eu tive foi bater boca com uma mendiga que me pediu esmola depois que a mandei trabalhar.