Crescer por quê?

Quem nunca parou tudo aquilo de mais importante que estava fazendo para observar desatentamente o trabalho das formigas? Como qualquer eu também fui captado pela fugacidade de seus movimentos e pela oportunidade única de aproveitar aquele momento de ócio tão desinteressante. Acontece que as formigas têm bastante a nos ensinar, o problema é que não damos a devida atenção e cuidado às formigas, sempre somos grandes demais para sua vida diminuta e irrelevante.

Imagino o que se passa na racionalização de uma formiga, esse animal que tanto supre sua vida de ofício, esse bicho que vence sua insignificância física no mundo por captar a atenção de nós humanos, tão grandes em nossa dimensão, e tão pequenos no vazio existencial do universo das formigas. Fico curioso para saber o que a formiga pensa de mim que parei toda minha vida complexa e atribulada para conceder a ela um momento de atenção vaga, não como interesse por sua existência, mas como fuga de minha própria existência corrida... Eu descanso sem culpa, pois ver formigas cabe em minha consciência, mas e ela, em sua pequenez e obstinação por uma vida de esforços, será que tem tempo de parar e por um segundo que seja contemplar minha existência? Será que as formigas me percebem? Acho que somos grandes demais para isso...

Ser pequeno exige a resiliência de subverter a lógica dos heróis robustos e capacitados, fugir do cliché de vencer pela força física ou pelo poderio bélico que inspira a guerra. Ser pequeno é, antes de tudo, ter coragem de ser assim como a formiga. É que a gente deve se ver sempre pequeno, levar os contratempos da altura somente quando nos for solicitado, lembrar que ser pequeno exige obstinação, não por um dia ser grande, mas por ser notado em ser pequeno. Não quero os caminhos saltados e atalhos que pés grandes podem oferecer, é sabido que meus pés pequenos vão cansar mais, a estrada sem atalhos normalmente é a mais desnivelada, mas é preciso que a gente se canse para chegar, é preciso sentir calor no asfalto, afundar os pés na lama e suar, suar muito para descobrir as minúcias do caminho. Aos que tem pés grandes cabe aproveitar a linha de chegada, aos pequenos cabe aproveitar as dores e as delicias de caminhar.

A cabeça pode crescer, crescer muito e quem sabe assim saber demais, o conhecimento pode levar a pior prisão, em que por um momento você estará preso a suas ideias, acorrentado por suas crenças e nem Rapunzel e suas grandes tranças poderá salvar. Cabeças pequenas significam economia de um espaço que poderá ser ocupado por outras coisas, pensar demais pode fazer sentir de menos, enquanto eu pensar nos riscos de voar nunca terei sentido como é bonito o medo do inesperado. Crescer é muito mais que algo fisiológico, advém de escolhas emocionais e racionais, é separar-se da segurança de poder errar para escolher uma vulnerabilidade de nunca mais ousar errar. Crescer faz diminuir... A quem cresce está vetado o direito de omissão, como aquela criança que de tudo está disposta a experimentar e pode optar sem julgamentos pelo “tanto faz”, quem cresce tem que escolher, viver sob a batuta de seus atos, justificar, ser responsável. Não quero com isso dizer que os pequenos são irresponsáveis, mas sim ratificar a liberdade em ser pequeno, mostrar que ser pequeno faz com que se ceda ao grande, seja para forjar derrota ou por altruísmo de quem não quer vencer, mas sim lutar. Ser pequeno é desejar muito escolher, sofrer toda a angústia de saber o que se quer, é ser grande, mas sentir mais ainda e por isso optar pelo que agrada os maiores.

Ser pequeno garante regalias das quais não entendo como os grandes vivem... É poder se aninhar ao colo de qualquer um, pois ser pequeno é sentir mais, é cair, é machucar-se, é sentir que nunca podemos viver sozinhos, é ter no corpo as medidas exatas para conseguir doar-se por inteiro num abraço, mesmo que não abarque toda a dor do outro, ser pequeno é ter a certeza de seus braços estão fazendo de tudo para dizer o que sua boca pequena não pode gritar, e que pode até doer, mas você nunca sairá desse abraço, pois você, que é pequeno, sempre terá tempo para cuidar. Aos coelhos grandes que vivem sob a batuta do relógio os meus mais sinceros sentimentos, vocês nunca serão capazes de entender o que é observar as formigas, contemplar as estrelas, permitir-se a um abraço sem tempo, perder tempo como os pequenos perdem.

Talvez o mais bonito de ser pequeno é que desse lado não há disputas, nunca vai se ouvir por aí alguém sonhando em ser pequeno, é que hoje todo mundo quer ser maior e maior, esquecendo das vantagens de ser menor. Ser pequeno não é abdicar de altura ou espaço no mundo, mas sim ocupar o que lhe cabe, entender que a gente reserva volume pro que importa, e assim eu até pensei em iniciar uma pesquisa em que medíssemos o tamanho relativo do coração dos pequenos com o dos grandes, mas desisti, nenhuma pesquisa será mais valiosa que a contestação de que ser pequeno é ter apenas um coração... O que vier a mais será aproveitado, mas não como motivo de exuberância física, como ferramentas exaustivas de demonstrar cuidado. Ser pequeno é viver no limiar entre ser pisado pelos grandes ou morar no coração deles, é abdicar de pensar para sentir, é assumir-se vulnerável no tempo em que todos querem ser hasteio.

Aos pequenos que conheço fica minha total admiração, a vocês que tem a coragem de ser o que são, de assumir-se como serviçal dos caprichos dos maiores, de sentir em seu corpo diminuto as dores do mundo, de ousar amar, de chorar quando der vontade, de não ver a felicidade atrelada a algo, mas sim a alguém... A vocês todo meu esforço para um dia ser pequeno, para não crescer, para ser adulto sim, mas não esquecer que ser pequeno é ser como a formiga, é ter como obstinação única o amor, o cuidado e a cumplicidade, é se esgueirar entre os grandes, é desfrutar do caminho, é subverter a lógica... A vocês eu desejo todo o mundo, não em forma de viagens ou luxo, mas cada minúcia que as estradas oferecerem, cada lágrima dos oceanos, cada amor das serenatas, cada sangue das perdas, cada dente dos sorrisos, cada silêncio dos abraços, cada alma que sorrateiramente encontrar.

Gabriel Melo 08/09/16

Gabriel Melo Amorim
Enviado por Gabriel Melo Amorim em 13/11/2016
Código do texto: T5821802
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