JOÃO MANDIOCA – ARTISTA, PROFISSIONAL E ANALFABETO
" João de Barro, o arquiteto que nunca frequentou o banco de uma faculdade, é um arquiteto e engenheiro de primeira linha, mas que nasceu graduado pela natureza" Jota Kameral
Já me dizia uma senhora antiga e sábia, que a natureza é sábia e nunca precisou de ir à escola para aprender coisa alguma. Ela sempre citava a dinâmica que movia o universo! Os religiosos, aqueles que acreditam em Deus, defendem o pensamento da criação do universo pelo todo poderoso. Os cientistas acreditam nos fenômenos eminentemente científicos, no ponto da biologia, química e física, todos em suas quantificações de áreas, mas sem qualquer dedo de um arquiteto do universo.
Existem homens que nasceram sábios, mas que tiveram de desenvolver as suas habilidades e conhecimentos através de muito estudo; outros, não nasceram tão sábios mas nasceram com o dom dado pela natureza e desenvolveram as suas habilidades e conhecimentos através da vivência simplesmente pura.
Quem morou em Santa Maria da Vitória nas décadas de sessenta e setenta, por inúmeras vezes deve ter visto ou lido placas e faixas nos estabelecimentos comerciais da cidade ou nas festividades.
Muitos da nossa geração cansaram de observar aquele artista profissional pintando nas partes altas das paredes, dos estabelecimentos, nomes completos com letras de vários estilos e cores, sem erros e nem rasuras nas paredes.
João Mandioca, alcunha conhecida por todos, era um exímio pintor de placas. Era morador da rua de cima e algumas vezes nas férias de julho, nas proximidades da casa dele, as pessoas costumavam fazer festas dançantes, tipo forró, e lá íamos todos nós esfregarmos nas meninas e pisando nos pés delas e lembro-me bem de que uma das filhas do pintor frequentava essas festinhas regadas a batidas de limão, e todo mundo queria dançar com ela, porque ela dançava forró como ninguém.
Um fato nos chamou atenção, quando, em uma conversa na casa de vó Lindaura com Tio Jaime e nós garotos, discutíamos as dificuldades das aulas de desenho, e ficamos sabendo que o João Mandioca, o pintor de placas, aliás o único especialista neste tipo de trabalho e um grande profissional, era analfabeto.
- Mas como! Exclamamos. Como pode fazer placas com letreiros sem saber ler!
- No caso dele não precisava saber! Ele é um pintor desenhista! As pessoas escrevem as frases, os nomes, o jeito das letras e ele as copia como se fizesse um desenho delas, explicou tio Jaime. Para desenhar não precisa saber ler. Precisa saber desenhar e qualquer analfabeto pode ser um grande desenhista pintor, um grande pedreiro, um grande lavrador etc.., sem precisar ir à escola institucional, mas na escola da vida, se é um bom aluno para sobrevivência, ele pode se tornar um grande profissional.
João Mandioca era o exemplo desta tese! Naquelas décadas acho eu que setenta por cento das placas com letreiros, eram todas elas pintadas por ele. Vivendo naquela época, eu jamais tive a sensibilidade de que ele era um grande artista, daqueles que nascem com o dom de fazer determinada coisa na vida, neste caso ele não copiava as palavras, mas desenhava as letras na sequência colocada pelo solicitante. Para ele, o significado das letras do alfabeto eram apenas formas de figuras que deveriam ser desenhadas do jeito do rascunho do cliente.
Ainda hoje podemos encontrar uma quantidade enorme de Joãos Mandiocas por este Brasil de meu Deus. Assistindo na televisão que nós temos uma média de treze milhões de analfabetos, e vendo a entrevista com algumas pessoas que não sabem ler e nem fazer o “ó” com o fundo de uma garrafa, mas que criaram mecanismo de sobrevivência nas grandes cidades, me fizeram lembrar do Pintor de placas da minha cidade e me vejo perguntando: Quantos grandes profissionais em todas as áreas deixaram de existir em razão da falta de oportunidade para estudar e colocar o seu dom em prática?
A grande Viola Davis na ocasião de receber o seu primeiro Emmy, disse o seguinte: A única coisa que separa a mulheres negras de qualquer outra pessoa é a oportunidade. Já pensou se dermos oportunidades aos quase quatorze milhões de analfabetos! Quantos como João Mandioca estão espalhados pelo território brasileiro!
João Mandioca é gente da nossa gente, e precisava pelo menos ser lembrado por quem o conheceu.
É o que há.