Conversa com Deus

Sou agnóstico teísta. O nome complicado quer dizer que não tenho religião definida, porém admito que Deus possa existir. Li outro dia um texto “Entrevista com Deus”, que um amigo escritor reproduziu de um site. E imaginei uma conversa com Deus que pensasse como eu acho que ele pensaria, o que acredito. Foi mais ou menos assim:

P: Você existe?

R: Depende. Fisicamente, não. Posso existir em sua cabeça, se você quiser.

P: Então você não é real?
R: Existir em sua cabeça não significa não ser real. Sou real para os que acreditam em mim. Assim é com amor e muitos sentimentos.

P: Qual religião te representa?
R: Não tenho representantes. Existo ou não plenamente na cabeça das pessoas. Os religiosos não falam em meu nome, mas no de outras pessoas que pensam parecido ao que eles pensam sobre mim.

P: Então essas igrejas e templos são farsas?
R: Não são minhas representantes. Algumas, que não visam acumulação, que usam o dinheiro que arrecadam em doações apenas para manter seus templos e em caridade são reuniões de pessoas que têm uma crença em comum.

Não me representam, porém, são importantes para essas pessoas, a religião em si, repartir a crença, pode ser essencial para muitas delas, pode criar melhores seres humanos. E muitas têm trabalhos sociais de verdadeira filantropia e caridade, trazem o bem para muitos, o que certamente apoio.

As que usam o dinheiro que arrecadam para construir templos faraônicos, luxuosos e que têm pastores ricos, roubam seus fiéis. São farsas. Alguém que pega dinheiro de pobres para construir mansões não passa de um aproveitador.


P: Mas não há uma religião melhor?
R: Cada religião tem seu valor para os que as seguem. Podem trazer boas coisas para eles. Pertencer a um grupo com crenças comuns é algo essencial para algumas pessoas viverem.

Só que cada um é diferente. Tem pequenas diferenças de pensamento dos outros. Então, na verdade, cada um tem sua religião própria, e assim como cada pessoa tem seu valor e não é melhor que as outras, cada crença é única e melhor apenas para quem nela acredita.


P: E Jesus ?
R: Existiu há mais de 2.000 anos, numa época em que havia poucos registros, nada confiáveis. Muitos creem que é meu filho, outros que foi um revolucionário contra Roma. O que ele foi ou não, o que ocorreu ou não, é impossível de provar. Então, o que você acreditar será a verdade para você. Como na história de “Aventuras de Pi”.

P: E a Bíblia? E o Alcorão? Ou os livros sagrados? Não são suas palavras?
R: Todos eles foram escritos por homens, alguns por muitos deles, e interpretados por eles. Não é minha palavra. Quem escreve ou interpreta um texto necessariamente tem sua visão impregnada nele. Quase impossível fazer textos isentos, menos ainda sobre crença.

P: Não existe lei de Deus? E pecado?
R: Não existem tais coisas. As “leis de Deus” são feitas pelos homens para que sigam os preceitos de uma religião e o pecado é o crime nessa lei de homens, uma penalidade para quem não segue as regras desses homens. Algumas pessoas acreditam que essas leis levam ao bem, segui-las ou não é decisão de cada um que trás consequências para quem optar por fazê-lo.
Deus dá o livre arbítrio, cada um é livre para optar pelo que quer ou não fazer. Não precisa de leis para falar comigo. Basta acreditar em minha existência, falar comigo é pensar consigo próprio.


P: Quem doa aos pobres doa a Deus?
R: Não existo no mundo real e não preciso de dinheiro. Quem doa aos pobres ajuda seu semelhante e faz o bem para ele e a si próprio, isso é bom para ambos. Se doa dinheiro a instituições beneficentes sérias, é forma de fazer isso indiretamente; se dá recursos a gente sem escrúpulos, é um sacrifício inútil, que enriquece estelionatários.

Conheça verdadeiramente as instituições e sua obra antes de doar dinheiro a elas. Tudo que é dado a homens é em benefício destes e não meu. Será ruim se for para pessoas/instituições ruins, e bom se for para pessoas/instituições boas.


P: Há vida após a morte?
R: A vida é uma dádiva enorme, que pode ser feliz ou não. Cabe a cada um vivê-la da melhor forma possível. Não há vida física após a morte. Pode haver vida espiritual, a lembrança da pessoa pode permanecer em seus familiares, como se estivessem vivos, se essas não esquecerem quem se foi. Existe ou não conforme os que ficarem.

P: E por que a morte?
R: A morte é o limite. Para os que sofrem, a certeza de que o sofrimento tem fim. Para quando se está bem, uma ameaça, para lembrar que tudo acaba, e que o que é bom tem de ser vivido enquanto é possível.

P: Não há céu e inferno?
R: A vida de um ser humano, de 70 a 100 anos, é um grão no tempo. Que tipo de Deus daria a alguém um castigo pela eternidade por uma vida tão pequena, ainda que muito mal tivesse sido feito? Ou que bem haveria em viver se a alternativa fosse a eternidade num paraíso? O sentido do ser humano é viver a vida na Terra, com seus semelhantes pelo tempo que tiver.

P: E quem morreu? Não adianta rezar por eles?
R: Rezar é desejar bem para alguém. É bom para os vivos e os mortos. Ouçam ou não, o simples ato de pensar bem em alguém gera algo bom. Se não para a pessoa por quem se rezou, ao menos para quem fez a prece, e é o que importa.

P: Você criou o mundo?
R: De certa forma. Eu sou um facilitador. Um tipo de poder que faz com que algumas coisas boas se encaixem. Que faz com que as coisas deem certo, com que em geral o bem prevaleça. Assim foi com o mundo, um monte de eventos naturais que foram se encaixando até se tornar o que conhecemos.

P: Você interfere na vida das pessoas?
R: Depende delas. Se creem em mim, agem corretamente, têm bom senso e respeito aos demais, como diz um escritor, “o universo conspira a favor”. Suas ações refletem em bem para elas próprias. Porém, são as ações de cada um que decidem o que lhes acontece acima de tudo. Não sou eu que faço algo bom dar certo, eu apenas ajudo. E não é o demônio que faz uma ação ruim gerar mal, é a pessoa por trás dela e suas más intenções.

P: Se não há vida eterna, se não interfere na vida dos homens, nem criou o mundo, para que serve Deus?
R: Para você viver melhor. Para acreditar que em princípio, boas ações trazem bons resultados, que o mundo é na maior parte do tempo bom e cheio de coisas que valem a pena. Que as coisas podem dar certo. Que é melhor fazer o bem. Que sempre há esperança da vida melhorar.


Terminei a conversa como comecei, cheio de interrogações. Pensei muito sobre as perguntas e respostas. No final, saí convencido de que ter um Deus particular em que acredito faz minha vida melhor. É o suficiente para mim. Mais que recomendo refletir sobre o assunto, ainda que não creia em Deus. Ter suas ideias sobre ele é melhor do que aceitar sem questionar e repetir a dos outros.

Nota do autor: texto modificado, para incluir a ótima sugestão do meu amigo Miguel de Toledo, que, aliás, escreveu o texto que falei no início.
Paulo Gussoni
Enviado por Paulo Gussoni em 12/11/2016
Reeditado em 03/01/2021
Código do texto: T5821152
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