O PRESENTE DA MAMÃE
O PRESENTE DA MAMÃE .
Nem bem clareou o dia, Joana martelava na cabeça do marido, dizendo que aquele domingo deveria ser especial: o mais incrementado de todos. Justamente porque se tratava do Dia das MÃES, marcado e sacramentado no calendário da sala por um circulo vermelho para que ninguém esquecesse do frango assado e do presentinho no capricho.
Teria que ser o almoço do Século, com toda a família reunida; álbum de fotografias passando de mão em mão e histórias antigas da época do Onça.
A avó Etelvina estaria no canto da mesa, junto com tia Leonor, e a galera da terceira idade, só esperando o momento certo de desenterrar o passado do fundo do baú.
No Dia das Mães valia tudo: Miltinho que nunca se deu com Emílio; Joana que aproveitava a oportunidade para colocar as fofocas em dia; Isabel que metia o pitaco na vida alheia...
Afinidades talvez não tivessem mais nenhuma, apenas um sentimento de obrigatoriedade que faziam estar presentes e com presente .
Joana gastou tudo o que tinha e o que não tinha para fazer bonito.Embonecou-se no maior luxo, decorando cada frase de amor que pudesse resumir o significado da palavra MÃE em sua vida.Porém como nunca se entenderam, um pacote enfeitado falaria muito mais que qualquer discurso.Tava tudo combinado: enquanto Emílio se bronzearia na churrasqueira, Joana deixaria a mesa posta com a maionese e a farofa, o pãozinho torrado e um sambinha de fundo .E foi exatamente assim...O almoço foi maravilhoso, apesar dos assuntos serem os mesmos do ano passado: a reforma da casa, o consórcio do carro, a compra do terreno em Santos...
Lá se foi mais um domingo do Dia das Mães e de madrugada, enquanto Emílio tentava dormir sossegado, começou a lembrar-se daquele tradicional almoço com toda a sua família reunida.Lembrou-se da infância simples, da sua mãezinha humilde, do arroz com feijão feito com muito carinho e de repente lhe caiu a ficha: Dona Jacira não estava mais entre eles.Há quanto tempo, meu Deus!Desde que ele, ainda jovem, havia discutido em casa e ido embora dali , remoendo-se de tanta mágoa .
Aonde estaria aquela mulher forte, que sendo pai e mãe ao mesmo tempo, conseguiu lhe dar o melhor de si ? Ela não estava no tão glorioso almoço do Dia das Mães, porque talvez nem soubesse mais que era o seu dia.
Emílio não conseguiu dormir em paz e sem dizer uma palavra a ninguém , deixou um bilhete na cabeceira da cama de Joana, explicando-lhe que não tinha mais sentido passar o segundo, terceiro ou quarto domingo do mês longe de sua mãe.
Foi quando dona Jacira, ainda com muita dificuldade, ouviu passos no quintal, abrindo a janela da rua para enxergar melhor. Assim pode ver de perto o rostinho de menino de Emílio, voltando para seu colo como se nunca houvesse partido daquela casa .
O seu coração ficou em festa porque aquele era o momento mais esperado de sua vida; um Dia das Mães atrasado; porém, comemorado com muita emoção junto ao seu melhor presente.
Silmara Torres Retti