O QUERIDINHO DO CHEFÃO
Quando Seu Maurinho perambulava pelos corredores do escritório, com sua pose sacrossanta de deus do Trovão, trincava a carcaça de qualquer um e até a samambaia do xaxim pedia licença, só para sair de cena.
Eita homem complicado, sem papas na língua e de mal com a vida!
Rico por natureza e pé no saco por opção, era o chefe que todo o mundo queria bem longe dali, de binóculos, algemado e amordaçado apenas para não meter o pitaco no trabalho dos outros.
Era o primeiro a chegar e o último a apagar as luzes, cheirando o ambiente a procura de um deslize qualquer, de um único motivo para dar aquele CRAUS gostosinho.O mais odiado, o mais ridículo e o mais paparicado de todos, porque ninguém tinha a audácia de lhe dizer na cara que sua boca cheirava urubu com batatas, que seu cabelo parecia um miojo aguado e que não passava de um pão de queijo gigante. Ninguém lhe dizia um quilo de verdades e quando Seu Maurinho virava as costas, se borravam de puro medo.
Mas o frescão nem se incomodava com os tititis que zumbiam ao seu redor.Banana para eles!
Quase todo chefe é assim: BOBO.
Só que na vida uns nascem para mandar e outros para obedecer, dizia.Não tinha culpa se era um homem rico, culto e extremamente poderoso.Alguém tinha que dar as ordens naquela mufunfa e por azar no destino, ainda era ele o manda-chuva do pedaço .
Amigos ele nunca teve.Se tivesse talvez não cairia na indecência de usar terno de crochê com gravatas de bolinhas.Mulher, só a mãe e ainda assim sumiu do mapa.
Dizem até que ele era donzelo, mocinho e cheio de pudores.
Então só de birra descontava seus traumas de encalhado no corredor do escritório fazendo tremer o teto.
Seu Maurinho sabia que queriam lhe arrancar o couro e se fazia de morto.Sempre foi um homem sozinho, sem ninguém e somente assim se sentia vivo, forte e temido entre os mortais .
Talvez se algum dia não comentassem sobre ele, ficaria até doente.Ai sim seria a hora de pendurar as chuteiras.
Dona Nica já lhe passou uma cantada e Dona Luiza se mordia toda só de ouvir a sua respiração, mas ele era duro na queda e se fazia de difícil.Decerto não queria perder a meiguice com uma velha qualquer, se guardando para um grande AMOR. Porém os seus dias de reinado estavam por um fio.
Bozolino era o novo funcionário do escritório e não tinha medo de nada, aliás, achava que o chefão era um Zé Mané do caramba e só queria se aparecer.Nem dava pelotas para o bruxo brega e ia “trampar” com bermudinha de surfista dando altas gargalhadas com a roupa de gala do patrão ca-fo-ne-te.
Tava para nascer quem tapasse a boca daquele descarado que não tinha um pingo de respeito. Seu Maurinho era corintiano roxo. Até as pedras sabiam e Bozolino fazia questão em aparecer vestindo o uniforme do Palmeiras.Seu Maurinho sempre foi vegetariano e Bozolino improvisava uma churrasqueira na área de serviço, só para tostar uma lingüiça esperta, na hora do almoço.
Tá louco, o chefão olhava tudo por rabo de olho, mostrando os dentes e depois sumia atrás da pilha de documentos.Ele sim tinha medo de Bozolino e abaixava a cabeça todas ás vezes que o moleque lhe encarava.Mas um dia o barraco desmoronou e foi o maior forrobodó do mundo, quando Seu Maurinho atravessou o corredor feito um raio, seco para degolar aquele moleque intrometido.
Desta vez Bozolino dançaria miudinho sobre as próprias tamancas. Ele havia pegado aquele descarado dormindo dentro do banheiro em horário de serviço, com gorro, cobertor e meias de tricô.
- Eu te mato picadinho, Bozolino !
O escritório todo pagava pra ver, trepados nas muretas da sala, apesar de que o moleque jogava dominó no canto da mesa . Não mexeu nem o branco do olho, nem se incomodando para não perder a concentração no jogo: parecia que tava macumbado !
De repente foi convidado num urro de guerra a comparecer no reduto do patrão.Pronto, agora Bozolino tava frito!
Fechou a porta da sala e silêncio total.Nem um piu no congá...Era só um cochicho daqui e um sussurro dali.
Foi quando Seu Maurinho começou a gritar e Bozolino gritava também...Cada vez mais alto.
- Socorro! Acho que tão se pegando.
A galera do escritório invadiu a área com tudo e meteram o pé na porta, encontrando Seu Maurinho todo descabelado em cima da mesa, gritando:
- Truco, querido!Chupa esta manga.
Enquanto Bozolino palitava os dentes comendo batatinhas em conserva.Daquele dia em diante foi só alegria: de manhã jogavam baralho, na hora do almoço o dominó e de madrugada Seu Maurinho se empolgava com o jogo da velha .A velha louca, com Bozolino.
Agora o patrão assobiava alto com sua bermuda frouxa, chinelos de dedos e com a camisa nova do Palmeiras, virando a casaca em dois tempos .
Mudou de estilo, de jeito e de vida.Usavam até aliança de compromisso, de ouro puro.Dizem as más línguas que ele estava apaixonado.Não interessava por quem; segredinhos de Maurinho .
Bozolino ria para o vento, deitado na cadeira do poderoso chefão, lendo o gibi da Turma da Mônica, espremendo as espinhas do rosto e confiante que não existe Fera Ferida, porque todo bicho indomável esconde lá no fundinho uma bicha mansa, carente e prontinha para dar aquele BOTE !
Silmara Retti