O SONHO DE JOBIM

Para o final do ano não faltava quase nada. As horas voavam e o tempo passava a galope, num piscar de olhos.

Quando viu, já foi! Então dona Celeste tricotava com a língua uma festa de cair a peruca, arrebentar a boca do balão e a conta bancária, é claro ! Mas para dona Celeste uma “fortuna” era apenas um detalhe bobo.

Sempre foi a Rainha do Dindim e nadava em dinheiro, chique como quê, esnobando o seu patrimônio “dourado” para quem quisesse ver . Mulher de fino trato esta “doninha”.

Decorou cada peça do seu armário, sabia de cor os sapatos de luxo e as jóias que guardava no cofre .

Rica, boba e aparecida.

Um espetáculo de madame; criava o sobrinho como que se fosse a própria mãe dele, ingressando o “boneco” no mundo reluzente da sociedade grã-fina.

Só que Jobim era apagado por dentro; triste e amarrado pelo desejo da tia rica. Como sofria o coitado! Não tinha boca pra nada, sendo exibido de lá para cá como se fosse o seu maior investimento.

Estudava até de madrugada, praticava esportes da moda e se acabava no piano.E a galera aplaudia de pé, dando uma força para que Jobim se sentisse o show do século.

Sem perguntar nada para o moleque, resolveram por conta própria promover uma tarde beneficente para presentear as criança de uma favela qualquer, sob a mira de um jornalista emocionado que com certeza estaria por perto registrando tudo.

- Jobim, fala francês pra titia ouvir. Fala inglês, lindinho, fala! Jobim, agora vai para o piano, vai.Jobim, toca aquela sinfonia de amor...

E lá ia o pobre menino, que na verdade se corroia por dentro, murcho de dar dó.Nunca gostou de francês.Piano lhe dava enjôo.Mas ele não tinha escapatória, porque a titia rica lhe puxava pela coleira, impondo os próprios desejos, só para se aparecer as custas do moleque .

Aliás, moleque ele nem podia ser.Parecia mais um criado mudo ambulante.Se tentasse suspirar alto, era comido pelos olhos de dona Celeste que vigiava todos os seus passos.

Que idéia maravilhosa: uma tarde dedicada aos pobres arrancaria baldes de lágrimas e Jobim já estava convocado para cuidar da parte musical, colocando em prática que aprendeu num curso intensivo, “daqueles” que odiava profundamente!

Para ele tudo aquilo era um sacrifício enorme e fazia com muita má vontade.Sempre estava de cara feia, bufando de raiva e quietinho num canto para que ninguém desconfiasse.

Mas seria impossível não perceber que Jobim estava de “bico. Só que ninguém se importava com o “bico ridículo de Jobim ”.

- Antes de casar, sara! - riam pelos cantos.

Dona Celeste estava tão deslumbrada com a idéia que passou por cima dos sentimentos de Jobim, feito um trator desgovernado.

Na sua cabecinha de codorna, um moleque não tinha querer.Não tinha vontades e nem sonhos.Era apenas um boneco “amestrado” que andava com as pernas da tia.Pronto, tudo foi marcado na agendinha florida de dona Celeste e o evento seria um sucesso, matando as colegas de pura inveja por seu desprendimento e da sua generosidade de “araque”.

Mas as coisas não conseguiam dar certo.Lógico, com Jobim infeliz, mal humorado, de “zica, só podia dar “furo” mesmo !

Quando a gente faz sem vontade de fazer, é infelicidade na certa.A maior surpresa do evento seria Jobim, que cansado de tanta opressão, estava mesmo a fim de dar o seu grito de liberdade.Esperou que toda a grã finada se reunisse para que fossem acertados os últimos detalhes e sumiu do mapa.

- Justo agora! Que desacato! Que decepção!

Bola para frente.Com Jobim ou sem Jobim, o evento seria um grande sucesso.

Na verdade Jobim não era nada, apenas o sobrinho abobalhado de dona Celeste.Uma sombra opaca!

Lá se foram com os pacotes de presentes numa euforia doida.Todos estavam engomados, perfumados, emocionados...

Discurso daqui e dali.Fotos e mais fotos!

Faziam fila indiana para receber seus pacotes de Natal. Só que de repente eis que surge um palhaço vindo do nada, fazendo piruetas e caindo no chão. Foi uma festa e a criançada não parava mais de rir.

Ninguém sabia donde tinha vindo aquele palhaço tão engraçado, com sua cara de lua toda pintada, arrancando a atenção da galera num piscar de olhos. Dona Celeste delirava de tanto rir com suas travessuras, muito mais empolgada do que qualquer criança.E quando aquele palhaço caminhou em sua direção lhe oferecendo uma flor, pode perceber atrás da maquiagem colorida os olhos vivos de Jobim, cheios de lágrimas, mas lágrimas de alegria, de emoção, de liberdade.Estava dando o melhor de si para fazer o que realmente gostava; ser feliz!

E somente assim conseguiria fazer os outros felizes também, realizando o seu próprio sonho que merecia muito respeito e admiração!

Silmara Retti