Ressaca de churrasco

Fui bancário durante mais de 30 anos. A maior parte desse tempo trabalhei na carteira rural. Raros foram os clientes que não gostavam de mim, especialmente os pequenos produtores. Os raros desafetos foram resultado de ter brecado seus pleitos devido a irregularidades, eu era quem analisava as propostas e projetos.

Sempre lembro um causo que até acho engraçado. Havia um cliente, grande fazendeiro, prepotente e autoritário, metido a dono do mundo, dó tratava dos seus negócios diretamente com o gerente, o qual era amigo e conviva desse prepotente, ele e o chefe da carteira, eu era apenas chefe de seçao dos projetos e propostas, um zé ninguém para o prepotente. Mais, o sujeito não gostava de mim por causa das minhas idéias, no clube dos ricos da cidade dizia que eu era subversivo e comunista.

Esse sujeito deu entrada no banco de um grande projeto, feita a avaliação, verifiquei que as garantias eram suficientes e adequadas e o pleito se enquadrava nas normas, teria que fazer a análise favorável. Mas o cara queria pressa, furar a fila, o gerente e o chefe da carteira pressionando, tive que priorizar o pleito. Numa sexta-feira sabendo que na segunda marcaria o dia de assinar o contrato, ele chegou na agência e convidou todos os funcionários para um churrasco regado a uísque e tudo o mais na sua fazenda, já dando como favas contadas a contratação do seu pleito. Convidado, declinei do convite, o sujeito irônico disse que eu não sabia o que iria perder. A alegria na agência era grande, todos iriam levando família e agregados , seria uma festa de porteira aberta.

Estava na agência nessa sexta-feira um especialista em cooperativas do Recife auditando a cooperativa local financiada pelo banco, eu me dava muito bem com ele, éramos torcedores do Sport e da esquerda. Ele constatou a euforia do pessoal em relação ao churrasco, e me disse baixinho que o churrasco podia dar ressaca, apenas ri, não fiz nenhuma ilação. No final do expediente, ele me entregou o laudo da cooperativa em duas vias, afirmando que enviasse urgente a promeira via para a direção geral e guardasse a segunda na gaveta. Fiz isso, no laudo ele apontava graves irregularidades na cooperativa, inclusive recomendando impedir o dirigente da entidade devrealizar operações no banco, era o tal prepotente que ia dar o churrasco. Fiquei até mais tarde, fiz a análise do projeto e no parecer fui pelo indeferimento de acordo com o laudo da cooperativa que acrescentei cópia á análise.

Na segunda-feira o papo era a festa, fora de arromba, ainda estavam ressacados. Logo chegou na gerência o prepotente cobrando a fatura, ou seja, a que horas viria assinar o contrato. O gerente e o chefe da carteira chegaram bufando no meu birô pergumtando se a análise estava pronta, abri a gaveta e entreguei o documento. Passaram a vista e ficaram pàlidos. O gerente ainda perguntou se eu já tinha enviado a primeira via para a direção geral, respondi que sim, os dois na mesma hora disseram: - E agora, o que vamos dizer ao fazendeiro? Resolvi o problema, me ofereci para fazer o esclarecimento. O dujeito sentou-se na minha frente e eu, calmamente mas com muito prazer, lhe disse que o projeto estava indeferido e citei o caso da cooperativa, esclarecendo que dó poderia sair quando fosse regularizada a pendência da cooperativa. O cara deubuma rabanada e puto de raiva disse ao gerente e ao chefe da carteira: - vocês não mandam em nada nesse banco quem manda é esse sujeitinho comunista, comem do bom e do melhor, bebem meu uísque e me dão uma banana, mas isso não fica assim, vou falar com meu deputado .

Ficou assim mesmo, só muito tempo depois ele voltou a fazer negócios, mas pequenos financiamentos.

O churrasco deu ressaca. Inté.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 11/11/2016
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