TEMPO REI

Numa mesma semana tive sensações estranhas acerca do esquecimento. Na primeira, uma abordagem na calçada por duas simpáticas moças, mãe e filha, que, ao me cumprimentarem, o fizeram de forma tão íntima e carinhosa que me pesou não recordar de onde as conhecia. Coisa que só consegui desvendar dois dias depois, num insight qualquer ou num sopro de alguma alma bondosa preocupada com minha aflição.

Depois, o "branco" na fila do caixa ao não conseguir lembrar a senha do cartão. Com medo de bloqueá-lo preferi pagar em dinheiro para então, já em casa, lembrar o número, até então, jamais esquecido. Dias depois, nova falha do cérebro: uma prima carioca me manda uma mensagem dizendo que levou a filha pra ver Dory, no cinema, e recordou as quinze vezes que assistimos “Procurando Nemo” só para termos alguns minutos de tranquilidade com a pequena. Quinze? Não me lembrava de que tivesse visto Nemo tantas vezes. Ela garantiu que sim.

O que me salva do pânico de ficar desmemoriada como a peixinha Dory é perceber que o esquecimento está geral. As opiniões (sobre quase tudo) têm mudado com tanta frequência, que assisto atônita a discussões inimagináveis num tempo atrás. Tudo falha de memória, eu sei. Se os fatos não estivessem documentados e até publicados no passado, duvidaria da minha sanidade mental.

Uma amiga querida, com suas décadas de sabedoria, tenta me tranquilizar: “O tempo é o melhor selecionador de memórias; é melhor esquecer o que não podemos mudar e apenas lembrar o que traz emoção boa”. Revirando baús podemos deparar com recordações de valores históricos ou simplesmente constatar que a vida seguiu seu rumo, minimizando diferenças ou ressignificando antigos enganos ou desconfortos. Não se sabe até que ponto vale relembrar. Talvez só o que se pode evitar: a perda de tempo.

Esta é uma lição importante e que traduz a melhor das vivências até hoje. Em especial quando a vida exige melhor aproveitamento do tempo, quando é preciso aprender a lembrar e a esquecer de forma equilibrada, mesmo que em eternas contradições humanas, como na canção de Gilberto Gil: “Não me iludo, tudo permanecerá do jeito que tem sido. Transcorrendo, transformando, tempo e espaço navegando todos os sentidos”. Ou, como aquele confuso poeta: “nunca deixo de lembrar que te esqueci”.

O tempo, sabemos, é o rei da razão. E também daqueles que sofrem de lapsos recorrentes, proposital ou distraidamente.