DEIXA, DEIXA, DEIXA EU DIZER O QUE PENSO DESSA VIDA
Eu queria dizer umas verdades. Com o dedo em riste largar o verbo olhando bem fundo nos olhos do cara. Despejar minha ira sem dó. Falar tudo que está bem aqui engasgado, corroendo minhas entranhas, queimando minha garganta. Queria dizer “Te enxerga cara!”, “Larga de ser hipócrita!” .
H I P O C R I S I A. Quer me tirar do sério? Seja hipócrita. Julgue os outros pelos erros que você mesmo comete e peça a minha opinião. Fúria é o que eu sinto enquanto te escuto com cara de “eu te entendo”. Não! Eu não te entendo. “Então você é falsa com o cara?” Não, merda! Sou educada!
Se eu falar o que penso, o cara desmorona. Não quero isso. Já deve ser bem difícil olhar no espelho e ter que mentir todos os dias para si mesmo. Deixa o “homi”. Eu xingo ele, espanco ele, crio discursos inflamados que nunca vou dizer e guardo tudo na minha cabeça. Se vier falar comigo, sou até capaz de dar conselho sincero.
Mas eu bem que queria dizer umas verdades.
Como seria bom dizer umas verdades.
“Tu não se enxerga, mermão?” “Tá me achando com cara de palhaça?” Eu sei e x a t a m e n t e quem tu é!”
Outro dia li que nessas horas temos que encher a boca com água e deixar ela ali até a raiva passar. Nunca fiz. Também disseram que tem que respirar. “Respira, inspira, não pira!” Ahã. Não respirei não. Visto minha cara de paisagem e ainda peço desculpas. “Tá maluca?” Não, só não quero confusão.
“Ponha-se no lugar dele…” É a única coisa que eu faço, mas, às vezes, a raiva grita pelos poros. Ninguém está vendo essa merda? “Sim, todo mundo tá vendo.” Pois é. Seguimos todos com cara de plâncton, criando salamandras de fogo no estômago, porque “o cara é louco, deixa para lá!”.
“Deixa, deixa, deixa / Eu dizer o que penso dessa vida / Preciso demais desabafar.”
Como seria bom dizer umas verdades, né D2?
Mas aí vira assédio, dano moral, bullying! “Vamos ter que chamar o cara dos direitos humanos, dona.” Esculhambação geral. Para não ofender e evitar o processo, deixa, deixa, deixa pra lá.