VIVENDO NO QUARTEL: UMA INFÂNCIA MARAVILHOSA- parte 2
VIVENDO NO QUARTEL: UMA INFÂNCIA MARAVILHOSA- parte 2
São tantas estórias que guardo da minha infância passada na Fortaleza de Itaipú! A infância é uma coisa fantástica para uma criança rodeada de adultos interessados em lhe mostrar o mundo. Cada dia uma novidade, o que me despertava uma curiosidade permanente. De manhã, quebrar milho para os pintinhos. Ficava rodeado pelos pintainhos, batendo com uma pedra nos grãos de milho inteiros. Os bichinhos não esperavam e iam ciscando muito próximoà pedra e, um dia aconteceu o inevitável: esmaguei a cabeça de um pintinho. Que choradeira!
As galinhas tinham uma doença que chamavam de gôgô que, aos poucos ia bloqueando a garganta delas e, sem poder comer, acabavam morrendo. Meu avô fazia os meninos mijarem no bebedouro de água para curar. Havia no quintal um quartinho em que ficavam guardadas coisas de pescador, e encima do telhado um monte de varas de bambú já com cabrestos, prontas para serem usadas. Sempre havia um caixote cheio de sardinha salgada para isca. Meu pai tinha uma técnica para cevar os peixes: ao chegar no pesqueiro, colhia um boa porção de mariscos, quebrava e jogava no local que ia pescar. Era batata: sempre voltava para casa com uma garoupa, um sargo de dente ou de beiço. Às vêzes, aparecia um peixe galo, um pampo, uma cavala, uma tainha, um badejo, bagres eram jogados de volta. Peixe com menos de dois quilos devolvia ao mar. Pescava no máximo dois ou três peixes e voltava para casa. Banana, era só arrancar do cacho que ficava pendurado no muro. Acabava um, já tinha outro maduro. Os cachorros eram minha paixão. Tinha o Gaúcho, a Gauchinha, o Bob, o Rex e outros. Vira e mexe aparecia um com espinhos de porco-espinho espetados no fucinho. Era um horror: meu avô pegava o alicate, segurava o cachorro e arrancava os espinhos para não penetratrem mais na carne do bicho. Eu morria de pena.
Sempre fui medroso e as estórias de assombração e almas de outro mundo me apavorarvam. Como eu era o caçula na época, a principal diversão dos meus irmãos consistia em me contar estórias tenebrosas que me infundiam verdadeiro terror. A mais terrível era de uma menina chamada Tereza que, no enterro da mãe, havia removido as meias do cadáver e, à meia-noite, o fantasma da mãe aparecia cobrando a meia. Com voz cavernosa minha irmã começava: “- Tereza cadê minha meia? Estou na porta de entrada!” . E ia repetindo essa ladainha com o fantasma cada vez mais perto do quarto até eu começar a berrar desesperadamente. E meus irmãos riam muito. A crueldade e o humor parece que andam juntos. Como era um moleque hiperativo, vivia correndo e levava muitos tombos. Me apelidaram de Nhô Liso.
A Fortaleza de Itaipú fica encravada em um conjunto de morros na Ponta do Itaipú, Praia Grande, São Paulo. Até hoje é uma area conservada. Na minha infância era muito mais, e não tinha um mínimo de manutenção, haviam vários locais abandonados, que a natureza havia recuperado sua predominância, ruínas cobertas por vegetação. E, para variar, corriam histórias terríveis da casos acontecidos nos morros com militares no passado que me deixavam aterrorizado.
Paulo Miorim
01/11/2016