A transformação de Sandra
Sandra nasceu no interior do interior, em um distrito tão longe da cidade que o ônibus passava somente duas vezes por semana. Lá estudou até o 5º ano primário na escola mais próxima. Seus dias nada tinham de interessante, afora os estudos, a ajuda que dava à mãe nos afazeres domésticos e no olho grudado na TV todas as noites. Apesar de distante, antenas parabólicas era o que mais se avistava por aquelas bandas.
Certo dia recebeu a visita de uma prima da Capital que havia saído do mesmo lugar em direção à cidade grande no sentido de granjear uma melhor condição de vida. Lá estudou e já era Técnica em Radiologia em hospital de renome.
A prima encantou-se com o olhar curioso de Sandra e a convidou para juntar-se à ela no pequeno apartamento alugado. Daria um jeito de matriculá-la em escola pública para que continuasse os estudos.
De início um certo pânico na família, já que Sandra era a única filha daquele simples casal. No segundo dia, em nova conversa, Sandra abriu para os pais o desejo de sair dalí, de abrir seus horizontes, de ser alguém na vida. E foi atendida, com uma ressalva: que finalizasse o ano por alí e, no início do próximo colocasse suas poucas coisas em uma sacola e fosse buscar o seu sonho.
Os dias custaram a passar. Muitas vezes acordava no meio da noite com o coração aos pulos, tamanha ansiedade e, ao mesmo tempo, medo, muito medo do desconhecido. Como seria?
Em janeiro abraçou os pais com carinho e rumou para a capital. Na rodoviária lá estava sua prima aguardando-a.
Tudo era muito diferente para Sandra. Já matriculada, em fevereiro iniciou as aulas e, aos poucos, foi conhecendo os bons e os maus colegas. Alguns a encamparam com tanto carinho que ela se sentia em casa; já outros a repudiavam, muitas vezes a chamando de “grossinha do interior”. Muitas vezes chorou escondida no banheiro; mas nunca comentou com a prima as atrocidades que por vezes passava. Queria aproveitar a oportunidade para tornar-se uma mulher digna, com conhecimento das coisas da vida, com uma profissão definida.
Com poucos recursos, já que precisava que a prima complementasse o dinheiro que ganhava com a venda de brigadeiros no colégio, aproximou-se de meninas da sua classe social. Seus programas eram simples, mas geralmente muito divertidos.
Rapidamente, em função da condição social e dos lugares que frequentava, começou a vestir-se como uma “riponga” mas, como era uma menina muito bonita, era vista como uma riponga diferente, até mesmo chique. Combinava as cores das roupas, usava colares feitos de casca de coco, amarrava lenços coloridos na bolsa com franjas e saia toda faceira para o que precisasse fazer.
Em uma das suas aparições conheceu Matheus, um homossexual assumido que, após trabalhar por anos em uma fábrica de calçados, decidiu abrir o seu próprio negócio e produzir sapatos artesanais. Matheus viu em Sandra uma parceira ideal. Convidou-a para trabalhar como recepcionista na pequena fábrica. Sem qualquer prática nesse sentido Sandra imediatamente aceitou e, no dia seguinte, no horário combinado lá estava atendendo os clientes que começavam a ligar. Na época a fábrica ficava no fundo do quintal da casa de Matheus, numa sala simples com paredes esverdeadas.
Em muito pouco tempo Sandra ganhou a confiança de Matheus que, num surto de espontaneidade, resolveu convidá-la para associar-se a ele com a produção de roupas customizadas.
Um desafio e tanto. Sandra entendia da “riponguice” e de nada mais. Nem sabia administrar a própria vida. Mas Matheus sabia.
A dupla deu certo e fundaram o “Barraco Mix” de Porto Alegre, um negócio bacana demais para um público específico e ávido por novidades.
Quatro anos se passaram e Sandra conseguiu concluir o ensino médio à noite, trabalhando durante o dia com afinco e prazer. Cada peça produzida era vista como uma obra de arte.
Uma vez por mês visitava os pais no final de semana, já que nesse período o ônibus já adentrava o distrito diariamente.
Com tecidos, rendas, fitas e linhas ela começou a colorir o seu mundo ao lado de Matheus, que já tinha nos seus sapatos artesanais uma marca reconhecida pela qualidade e valorizada no mercado.
Mantiveram uma grande amizade, fizeram um bom dinheiro e decidiram, depois de um tempo, separar-se por questões pessoais. Matheus porque pretendia desbravar a Cidade Maravilhosa com o seu trabalho e ela porque, vendo os pais já velhinhos, pretendia abrir uma loja na cidade onde nasceu.
E assim aconteceu.
Atualmente Sandra tem uma boutique diferenciada na cidade. Sua prima, já aposentada, a auxilia na administração e os pais, já falecidos, puderam contar com o seu cuidado até o fim da vida, da forma que ela imaginava.
Pensa em criar franquias e é esse quesito que anda estudando nos últimos meses.
Out.2016