Mariana mentirosa

Mariana andava, falava e em tudo se comportava de tal forma que passasse por rica. Qualquer um poderia ver que suas roupas eram reinventadas, customizadas, como se diz agora. Contava histórias mais mentirosas do que contam os políticos, falava da parentela tradicional, quase uma família real. Olhava as colegas e outras pessoas de cima para baixo e de baixo para cima, logo como se quisesse dizer “sou superior a vocês”. Por mais de dez anos convivi com aquela maluca e só treinando a minha vontade irrealizada de ser uma Freud na vida. Mariana cresceu assim, não houve mudanças. Casou-se e continuou mentindo, as pessoas pareciam acreditar, mas todos queriam mesmo era ver até que ponto seguiria aquela mente doentia. Mentia, Mariana. Mariana mentia. Mentiu também para os filhos, que inclusive acreditaram. Amiga de políticos, Mariana duelava com eles em mentir mais e mais. Tanto mentiu que um político caiu e, naqueles tempos quando tudo era mais fácil de conseguir, Mariana ganhou um emprego provisório e, mentindo ainda mais, conseguiu ficar fixa na máquina estatal. Passou a ganhar bem a Mariana. Cuidava bem do dinheiro e da manutenção das mentiras. Criou um pequeno império ilusório, coisa de malucos mesmo. Falava dos bens herdados da família poderosa. Convidava os amigos a um dia conhecerem suas propriedades. Os amigos, sabendo das esquisitices, passaram a mentir para a mentirosa: sim iremos um dia conhecer sua terra natal e vamos passar uns dias com você e os seus por lá. Temerosa, Mariana ficava logo gripada, também de mentira, pois via que os amigos se aprontavam para derrubá-la do cavalo. Depois de gripada, a mentirosa tinha diarreias toda semana. Em seguida febre, depois dores de cabeça terríveis. Quando “melhorava”, vinham os amigos se oferecer para viajar com Mariana. Ela viajou, sozinha, desapareceu dali por uns tempos onde o castelo de mentiras ameaçava ruir sobre sua cabeça doidivanas. Voltou depois de dois anos, continuava mentirosa. Disse aos amigos que estava resolvendo a questão de tantas heranças, tudo misturado com brigas com os parentes. Que conseguira, enfim, dar conta do recado, mas que a maior parte da herança ficou para ela. Estava rica, mais rica do que antes, como desejava ser. Custasse a mentira que custasse. Quando deu por si a mentirosa, descobriu que os filhos andavam na escola impressionando os professores ao contar sobre tantos tesouros de família, incluindo que eram parentes de um imperador lá das bandas da Itália da Antiguidade. Tinham até um documento fornecido por um suposto e renomado genealogista contratado para o estudo aprofundado da árvore familiar. Mariana comprou alguns móveis nas lojas de antiguidades e anunciava aos que entrassem em sua casa que aquela peça pertencera a avó, aquela outra à bisavó e mais uma que ela teria resgatado lá na Itália e que pertencera ao parente Imperador que estivera pessoalmente junto a Pôncio Pilatos naquela famosa cena do lava mãos. Envelheceu a Mariana, mentindo e mentindo, fiel à mentira. O bom foi que, para manter de pé a sua estrutura palaciana, cuidava de não se esquecer de cada coisa inventada. Vieram os netos, mentirosos também. Diziam na escola serem descendentes do Rei Artur da Távola Redonda. Interessante que o neto mais novo de Mariana era meio de esquerda e teimava, envergonhando a família, dizendo ser tataraneto de Robin Hood.