A montanha

Descobri dias desses que ainda guardo na memória o cheiro da infância, e que o tal cheiro é de grama molhada de orvalho misturada com bosta de vaca.

Lembrei-me disso assim que meu caminho cruzou com o de uma senhora dos cabelos brancos e do riso meigo.

Toda senhora dos cabelos brancos me remetem à minha avó.

Não sei precisar quando foi que os cabelos da Lolinha se tornaram brancos, acho sinceramente que ela sempre teve os cabelos brancos.

Eu sinto muito a falta da minha avó.

Feliz o sujeito criado com avó.

Lolinha dizia que a vida é uma montanha, que começa nas gramas que cerqueiam a campina e termina numa árvore no centro do topo da montanha.

Para alcançá-la é preciso saber viver.

Hoje consigo vislumbrar a montanha e até mesmo as folhas verdes da frondosa árvore no cume.

Minha avó dizia que quando acaba a campina, nos arrastarmos pelo sopé, até que surgem as primeiras pedras, que muitas vezes conseguimos triturar, noutras as colocamos de lado, evitando o peso, ou simplesmente damos a volta, com medo do tropeço.

Um rio atravessa a montanha; alguns trechos são de água cristalina, na qual os peixes borboleteiam em saltos espetaculares, depois é água barrenta, por onde não se navega sem ter em mãos remos firme.

Visto de perto é um rio por demais violento.

E surgem os bichos, de todos os tipos, cores e tamanhos, formando barreiras medonhas que precisamos ultrapassar.

Silenciosas metamorfoses acontecem no trecho entre o rio e a mata.

No meio do caminho aparecem as rosas e é necessário prestar muita atenção, evitar os espinhos, porque uma dessas rosas, um dia será sua inseparável companheira.

As árvores vão surgindo, de todos os tipos e cores, algumas de raízes podres, outras tão imensas, que simplesmente não conseguimos nelas nos agarrar.

Lá pelos quarenta e cinco anos, finalmente chegamos ao cume da montanha e tocamos a grande árvore.

É quando o tempo passa mais depressa e logo se faz necessário retornar.

No caminho de volta, que agora é descida, por isso mais fácil, revemos na outra margem tudo o que passou, estranhando ao se dar com caminhos mais fáceis, que evitamos, sem querer, percebendo, num riso pasmo, que nem tudo foi tão verde, mas o que antes fora cinza, olhando de perto, nem era tão escuro assim.

É quando se faz possível rever o rio e identificar as margens que o oprimem, cada lasca de barranco que cai é o sinal dos passos dados, ás vezes firmes, às vezes tortos.

E embora na descida a saudade nos desmonte, não é recomendável remexer os escombros dos velhos quintais, procurar nas rachaduras da montanha algo que se perdeu, pois tudo é nuvem, vento que sopra, passou, não volta mais.

Finalmente consigo entender o que a minha avó queria dizer quando afirmava que as folhas das árvores, que antes eram ásperas e duras, agora estão lisas e soltas, que é preciso manter os olhos bem abertos aos insondáveis mistérios da vida, (dominado) pelo fascínio que sopra da montanha e aos poucos me preenche.

E tudo termina, depois recomeça, naquela mesma grama cheirando a bosta de vaca.