Espelhos

Daí que a tristeza tenra das noites solitárias vai sendo progressivamente substituída por algo meio de opaco e translúcido e pelo passado que caminha ao lado. Essas coisas não deixam a gente respirar muito bem. Aceleram o coração e fazem tremer as mãos já, normalmente, trêmulas. E vamos juntando demônios na frente do espelho todos os dias. Porque isso não deixa a gente respirar muito bem, acelera o coração e faz tremer as mãos já, normalmente, trêmulas. No final a gente finge que dá tudo certo, mas a real é que não deu. Existe um mal em ter o espelho tão perto. Você olha pra dentro dele esperando resposta. Mas, ele te sufoca. Ele te olha de volta. Ele te mostra. É só você mesmo. E seu corpo. Sua alma. Seus defeitos. Seus quilos a mais. Seus cabelos brancos. Seus rabiscos inacabados. Seus riscos. Seus erros. Sua vida meio falsa, meio verdadeira. Seu personagem. Sua crueldade. Dubiedade. Autoestima. Franqueza. Fraqueza. Desonestidade. Espírito de porco. Imaturidade. Preguiça. Egoísmo. Gula. Lascívia. Depois o espelho sempre mostra o que tu é. Que tu é podre. Mostra teu sadismo. Tua falta de amor próprio. De amor ao próximo. É no espelho que a gente reúne os nossos demônios todos os dias. Reconheçamo-nos neles. Porque eles não deixam a gente respirar muito bem, aceleram o coração e fazem tremer as mãos já, normalmente, trêmulas.

Daniel Euzébio Pinheiro
Enviado por Daniel Euzébio Pinheiro em 31/10/2016
Código do texto: T5808301
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