VENENO DE IAGO EM OTELO

Tem algo aqui dentro que não conheço e é meio espesso e se parece a muralha de pedra e malha de proteção anti-invasão da guerra que jamais cerra e jamais finda e jamais cessa e jamais começa. Tem algo aqui recôndito e desconhecido, como morar com alguém parecido que se assemelha a um inimigo mas que de tão tão parecido, se torna eu próprio o desconhecido. Tem algo aqui diferente, não é um ente, é dentro da casca a nata e clara e gema, é dentro da casca o nada e escura e algema, é dentro da casca o tudo e claro e dilema. Tem algo aqui dentro esquisito mas não é feio nem bonito nem marasmo nem agito nem fome nem grito nem épico nem mito nem belo nem sol amarelo nem colapso nem nomia nem ápice ou agonia, tampouco alegria. Tem alguém aqui dentro do mesmo jeito tal qual o dentro do teu peito, talvez o meu apenas aflora mais o próprio EU daí afora. Tem algo aqui dentro que apenas espelha e assemelha a tudo de fundo neste largo mundo, largo e fundo e vasto e redondo rastro redondamente frio e quente, espaçoso e pequeno, apequenado e efêmero. Tem algo aqui que às vísceras permeia mas não mostra a cara, que invade o sono e me desperta mas à luz do dia me coloca em sono, que invade o sonho e mostra a face onírica quase demoníaca mas ao meio-dia deixa a sombra amarga, que deprime em qualquer dia sublime mas me faz dançar em plena chuva-livre, que deixa gosto na boca da derrota quando tudo vai bem mas ao acaso no buraco me ergue também, que do nada frustra quando não escrevo mas solapa inspiração quando menos percebo o medo, que afasta o EU do resto como um ser do subsolo mas logo envia forças num compêndio esplêndido e alegre. Tem algo aqui dentro que bate como martelo como veneno de Iago em Otelo, o monstro de olhos verdes que zomba do alimento que consome, que se auto-invade e some e volta e sobrevoa e revolta e revoa e de mim mesmo, desconheço, destoa.