CRÔNICA – Exemplo de moralidade administrativa – 23.10.2016
 
 
CRÔNICA – Exemplo de moralidade administrativa – 23.10.2016
 
 
Ele era deputado federal pela antiga ARENA – Aliança Renovadora Nacional -, partido criado pela revolução de 1964, a exemplo do MDB – Movimento Democrático Brasileiro, hoje PMDB, sigla que se aliando aos governos do Partido dos Trabalhadores, de saudosa memória, quando pregava a moralidade em todos os sentidos... e desde então, comprova-se agora, que mentia para o povo brasileiro.
            Perguntara a si mesmo: “Será que consigo dobrar esse cara, gerente que se tem mostrado durão aqui na minha cidade”? Fora se aproximando da escrivaninha do humilde, porém sério administrador daquela agência bancária, e foi falando: Bom dia, senhor gerente! – Bom dia caro deputado; vamo-nos sentar em que posso ser útil? – Estive pensando em lhe pedir um favor. – Pois não, desembuche. – O negócio é que estou precisando de duzentos mil cruzeiros, porém não tenho saldo; gostaria de sacar essa quantia em Recife; quando o cheque chegar é só segurar por uns dias na caixa forte, pois eu o cobrirei em seguida. – Deputado, queira me desculpar, mas acha que tenho cara de desonesto; o que está me pedindo é humanamente impossível para funcionários de minha formação doméstica e profissional; caso o senhor consiga fazer esse saque seu cheque será carimbado e devolvido na mesma hora para a agência de origem, além do que o procedimento será anotado na sua ficha cadastral, a fim de ponderações futuras. – Meu amigo, isso que estou propondo eu fazia com o gerente anterior, aquele que o senhor substituiu. – Sem comentários, excelência, não quero nem saber do que se passou. Ah, por sinal tem uma promissória sua de cem mil cruzeiros vencida há algum tempo; por favor, mande quitá-la, pois está sujeita a ir para o cartório de protesto de títulos.
            Sua excelência saiu cuspindo fogo, com uma raiva da gota serena, xingando até a mãe do pobre coitado, que apenas estava cumprindo sua obrigação. Mas ele não mandou pagar o débito, o que já era esperado, até por que tinha muita gente conhecida nos altos escalões do banco. Resultado é que o título foi enviado a protesto por falta de pagamento. Todo mundo na agência ficou preocupado, alguns até disseram ao servidor: “O senhor é doido, mandar título desse deputado para o cartório, cujo tabelião é justamente do MDB, suplente de senador”! – Ora, se o pobre do pequeno comerciante quando não paga tem seu título protestado, não vejo razão alguma para não dar tratamento igualitário aos demais clientes; aliás, onde é que está escrito nas instruções que é proibido protestar débitos de deputados!
            A propósito, bom que se diga que foram enviados a protesto três títulos, quais sejam o de que se trata e mais dois, sendo de outro deputado federal e um senador, ambos da ARENA.
            O titular do cartório, político sábio, inteligente, suplente de senador, tio de um dos atuais senadores da oposição, ligou para os três felizardos – dois deles estavam em Brasília --, e quanto foi no período da tarde eis que o telefone toca.  Uma ligação da diretoria de crédito geral do banco, chefia de gabinete (O diretor era um homem de gabarito e que trabalhou pelo nordeste sem medir esforços). A ligação foi mais ou menos assim: “Senhor gerente, boa tarde; como é que se toma uma medida dessas, colocar títulos desses políticos para protesto, criando problemas para o diretor; o senhor sabe que isso é cargo político”? – Pois não meu chefe, caso deseje que eu mande cancelar a ordem de protesto é só falar que peço devolução das promissórias agora mesmo, respondera. – Faça isso por gentileza, boa tarde, um abraço, Tchau. E assim fora feito.
            Para um gerente que estava há pouco mais de dois meses naquele novo cargo, creia, essa medida foi de muita frustração. Todavia, ordens são ordens, fazer o quê? Com os títulos nas mãos, o gerente chamou seu auxiliar e ditou o seguinte FAX: Comunico a essa diretoria que suas determinações foram cumpridas, ou seja, as promissórias de responsabilidade dos senhores em foco, de CR$ 100 mil cruzeiros, cada uma, foram solicitadas ao cartório. A propósito, seus valores extrapolam em muito o limite máximo permitido pelas instruções para negócios da espécie, que é de vinte mil, além do que não foram operados pela atual administração.  Além do mais, essas dívidas estão sendo roladas há vários meses, entretanto, caso essa direção geral autorize poderei renová-las por mais noventa dias. O gabinete ficou ainda mais fulo da vida com essa mensagem, mas era preciso existir algum documento no processo, a fim de que em futuras inspeções os auditores do banco tomassem conhecimento do procedimento lícito e cabível do primeiro gestor da agência. A sede autorizou as reformas, quer dizer, jogar o enterro da viúva pra frente.
            Inteligente, e para se prevenir, o titular da gerência preparou uma carta à Inspetoria Geral da Casa comunicando o ocorrido, tendo recebido ciência daquela célula da direção geral. O único bem que o funcionário tinha para defender era seu emprego certo e seguro, eis que passou por concurso público. Cabe apenas dizer que esse cidadão teve uma infância sofrida; carregou frete nas feiras do Recife; pescou siri na ponte do Brum; filho de operário de cor parda, também honesto e trabalhador, confirmando-se que a pessoa se torna do mal quando o deseja, pois pobreza não é vileza.
            Em seguida o gerente fora convocado a comparecer ao gabinete do diretor, que queria manter uma conversa reservada com ele, o que fora feito já na semana seguinte. O então diretor, homem de gabarito, doutor José Aristófanes Pereira, que Deus o tenha em um bom lugar, deu todo o seu apoio àquele funcionário de carreira.
            Esse funcionário, bom que se diga, chegou ao mais alto escalão da hierarquia funcional, que correspondia, mal comparando, a General de Exército, tendo atingido o cargo de superintendente estadual em algumas unidades da federação. Não saiu pobre como entrara, eis que conseguiu um financiamento imobiliário para aquisição de um apartamento de classe média, onde até hoje mora com sua família.

 
Essa é uma história real.

Personagens:
O chefe de gabinete – Dr. Almani Maia de Farias.
O gerente – Ansilgus.
O tabelião – Ivandro Cunha Lima.
A cidade – Campina Grande, Paraíba.
Os políticos não foram nominados, a fim de preservar a memória deles.
 
Ansilgus.
 
ansilgus
Enviado por ansilgus em 31/10/2016
Reeditado em 08/11/2016
Código do texto: T5808238
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