Um Velório sem Glória

Finalmente Juvêncio morreu. Agora sim, poderia assistir ao grande espetáculo de sua vida, há tanto esperado.

Na infância fora um menino imaginativo. Introvertido, superava os pequenos contratempos da meninice no refúgio seguro da fantasia. Seus progressos na vida real nunca foram extraordinários. Nos sonhos podia tudo, sem limites, sem medos. Daí, sua predileção pelo imaginário.

A idade adulta chegou e teimava em impor a realidade em sua vida. Dolorosamente. A fantasia assumia feições cada vez mais extravagantes, oferecia-se como uma porta para escapulir da realidade medíocre.

Passou a idealizar a própria morte. Cada detalhe, usufruído com gozo. A notícia súbita a espalhar-se pelos amigos e parentes. A surpresa e o espanto de cada um. Tão jovem ainda! Pessoa tão boa! O velório. Esse era o palco preferido de sua imaginação. Os comentários dos amigos. Palavras de reconhecimento dos colegas da repartição. Cochichos respeitosos. Algum exagero seria bem vindo. Juvêncio competente, Juvêncio pontual, Juvêncio responsável, Juvêncio criativo. Grande colega. Companheiro para todas as horas. Esposo exemplar. Filho carinhoso. Pai desvelado. A família orgulhosa dessas revelações. Aquele ente querido era mais do que um simples parente morto. Era pessoa de reconhecida importância, querido por tantos. Seus colegas da repartição testemunhavam isso. O chefe confirmava tudo. Que perda irreparável! Havia uma espécie de satisfação no ar.

Os amigos viriam de perto e de longe. Ninguém pouparia esforços para esse último adeus. Alguns fariam verdadeiros sacrifícios para estarem presentes. Lembranças do passado viriam à tona. Tempos de infância, de adolescência. Algumas ações boas seriam lembradas com certa generosidade nos detalhes e muitos se comoveriam. O clima acabaria por contagiar a todos.

O funeral. Ponto culminante. Comoção. Saudades. Antes do sepultamento, o padre diria poucas palavras, mas contundentes. “Juvêncio tem um encontro marcado com o Criador. O que nos deixa, qual a herança para seus filhos? Lições de vida. Orgulho”. Um dia para não se esquecer! Lindo!

Contrariando tantas expectativas, nada acontecia no velório de Juvêncio. Onde estavam os amigos, os colegas de trabalho, os parentes e até os curiosos, atraídos pelo movimento? Cadê as pessoas, meu Deus? O que se via era, literalmente, um velório melancólico, chinfrim. Somente os parentes essenciais e certo ar de contrariedade nas feições. Uma vida inteira para um velório assim tão indigno.

De repente, um foguetório. Algazarra festiva na rua, na cidade, no país. Era Copa do Mundo. Era jogo do Brasil. Era gol. Não era o dia certo pra morrer. Se havia algo que Juvêncio poderia exigir do Criador era uma segunda chance, uma segunda morte.

Então, acordou do sonho. Estava salvo. Poderia voltar a morrer.