A CASA QUE NOS PERSEGUIU AO DESABAR
Num tempo em que meu padrasto, Pedro da Silveira, morava com minha mãe e os filhos na localidade de Arroio do Meio, próximo a localidade de Entrepelado, já no Município de Santo Antônio da Patrulha, em torno de cinco quilômetros do Centro de Taquara em direção a Porto Alegre pela RS 010, após a ponte do Rio dos Sinos, a esquerda, mais três ou quatro quilômetros pela RS 242, que ainda é de chão, à direita, e anda por volta de mais dois quilômetros nessa estrada secundária, numa casa que ainda está lá, no meio do nada, a beira da estrada, junto ao um riacho, próximo a primeira bifurcação.
Nesse tempo, prestes a completar dezoito anos, perto do final de 1983, voltara a morar com eles, pois o desconforto de estar desocupado em São Leopoldo era muito grande, sendo que no período entre os dezesseis e dezoito anos as empresas não gostavam de contratar os rapazes, visto que teriam que mantê-lo empregado durante o serviço militar. Todavia, sem emprego, éramos taxados de vagabundos.
Nosso padrasto, porém, por ser construtor, sempre arranjava algo para eu fazer, pois muito eu já tinha trabalhado com ele em obras de construção civil.
Esse tempo também coincidia com o auge de um revés que o abatera por volta de uns dois anos antes, por causa de uma doença que teve e em busca da curra tinha debelado o patrimônio que antes possuía, sendo uma boa propriedade em Parobé, dois carros quase novos, algumas vacas e algumas coisas mais. E, por também estar com muita dificuldade em arranjar obras (sendo que tinha dificuldade para trabalhar), optara por pagar um aluguel bem inferior nessa localidade tão, tão distante.
Passados alguns dias, depois que construirmos duas lareiras no Centro de Taquara, sendo para um médico pneumologista, começamos a construir a casa do tio Emílio, na Rua Vinte e Nove de Setembro, num novo loteamento próximo ao Cemitério Municipal, no bairro Cruzeiro, em Taquara, onde deveríamos morar, descontando daí o aluguel do serviço de construção.
A construção seria de madeira recuperada de uma antiga casa que o tio comprara na Rua Treze de Maio, próximo à Rua Ricardo Olm, no mesmo bairro. O madeirame estava em ótimo estado, exceto as guias para a construção das tesouras do telhado, que estavam com as extremidades um pouco apodrecidas.
Trabalhamos na construção da casa eu, o meu padrasto e o Sérgio, filho dele, que tinha uns treze ou quatorze anos, até o respaldo das paredes. Ao chegar a hora de fazer o telhado, meu padrasto achou que as pontas apodrecidas das guias não resistiriam ao peso do telhado de barro. Poderíamos então cotar-lhes as pontas apodrecidas e aproveitar a maior parte emendando umas ás outras, ficando assim confiáveis como deveriam ser. Entretanto, seriam em número insuficiente, requerendo ser complementadas com algumas novas. Todavia, não havia dinheiro para compra-las. Assim, meu padrasto tentou reforçar as pontas apodrecidas das guias pregando pedaços menores nessas pontas ligados as partes boas. E assim fizemos as tesouras e colocamos o telhado, restando apenas mais dois ou três dias de trabalho para repartir a casa, pôr portas e janelas, o forro, mata-juntar e fazer os acabamentos.
No primeiro desses três dias restantes, trabalhávamos na casa, expectantes por chegar o dia da mudança, quando sairíamos no meio do nada para morar na cidade e podermos passear no Centro sem depender do ônibus que passava duas vezes ao dia, uma de ida e outa de volta. Meu irmão Davi, que estava de folga na empresa de calçados que trabalhava com a Sandra e a Sirlei, filhas do meu padrasto, estava nos ajudando. Estavam os três no interior da casa, meu padrasto, o Davi e o Sérgio, fazendo as paredes das repartições. Eu, do lado de fora, construíra um andaime e já me aproximava do meio pregando as tábuas do oitão da esquerda para depois e fazer a caixa. Ao despregar o “chapus” (pedaço de madeira usado como escora provisória) do meio do oitão, que tinha sido posto ali apenas para sustentar a guia de cima até pregar o pontalete, comecei a ouvir estalos. Embora sabendo que não era o “chapus” que antes sustentava a tesoura, desci correndo do andaime, pequei o “chapus” que eu já tinha jogado no chão, subi de volta e o preguei no lugar na esperança de conter os estalos. Todavia, os estalos continuaram inexplicavelmente.
Ouvindo então os estalos, meu padrasto e os guris saíram da casa indagando que eram aqueles estalos. Respondi que não sabia, mas, chegando próximo a coluna do canto da casa, meu padrasto identificou que os estalos vinham dali. Rapidamente o ajudamos a pregar um barrote, escorando a coluna, quando então cessaram os estalos. E permanecemos com os ouvidos juntos ao canto da casa por uns trinta segundos até que os estalos reiniciaram como intensidade muito maior. Quando estão todos corremos muito e sem olhar para trás, ouvindo apenas os estrondos da casa desabando atrás de nós. Parecia que corria atrás da gente para desabar por cima.
Terminado de correr, ao olharmos para atrás, a casa ruíra toda, estando as paredes abertas caídas para fora e as telhas esparramadas e quase todas quebradas no meio da casa. Passado o susto, ainda recuperando a respiração ofegante, ríamos de escorrer lágrimas dos olhos. Ao olharmos para o lado, vi o Sérgio todo espinhado, pois querendo proteger-se da casa jogara-se no meio de um pequeno arbusto de maricás.
Com as madeiras e telhas novas que meu tio comprou, reconstruimos a casa e nos mudamos para algum tempo depois. Mas no ano seguinte, quando eu ainda estava no quartel, eles tinham se mudado para uma pequena casa de madeira num terreno próprio que compraram no bairro Empresa, na Rua Olímpio C. da Silva, onde logo abriram uma tenda de janela que se transformou num armazém forte, com esnuque e cancha de bocha.
Wilson do Amaral