O que sei é que faltam pedaços.
Quando liguei para a casa do meu tio a sua esposa foi quem atendeu a chamada.
- "Buenos dias señora, soy el hijo de Juan".
A sua voz respondeu com uma acidez incompreensível, pois a última vez que vi essa mulher, eu tinha sete anos apenas, que mal lhe poderia ter feito ?
Certamente alguém já lhe havia soprado que eu chegara à cidade, e tentaria o contato, pois ainda no Brasil, o meu tio havia me mandado uma carta chorosa sobre a sua saúde, e outros melindres da idade avançada.
- "Que quiere husted con tu tio ?"
- " Hablar un rato con el, puedo ?"
- " Paco, tu sobrino al teléfono..."
Meu tio Paco pegou o telefone meio desconcertado, e notei que ele trocara rápidas palavras com a sua "simpática" senhora, mas conhecedor da sua fraca personalidade, imaginei que se intimidara o suficiente para evitar me receber.
- "Tito, soy yó , Pepito, el hijo de Juan, y estoy en San Fernando, en casa de mi prima Mimi, cerca de tu casa..."
- "Hola...no puedo verte, tengo médico esta semana, porque me tengo que operar ..."
O orgulho me impediu de insistir, não sou de esmolar atenção, nunca fui.
- " Entiendo, nos hablaremos otro dia, grácias".
O meu desapontamento foi de gelar a alma, e por alguns instantes, ainda com o telefone na mão, olhei para a minha esposa e primas e familiares e lhes disse: Não quis me receber !
O marido de Mimi ficou indignado, desapontado ao extremo, como um tio pode não atender um sobrinho depois de tantos anos, pois agora eu estava com mais de cinquenta, e ele com quase oitenta, logo eu retornaria ao Brasil, e nunca mais teríamos outra oportunidade. O meu tio tinha uma amizade forte com a família da minha prima, e depois desse estranho momento, sinto que ficou abalada.
Minimizei enquanto pude, dizendo que não precisava deles, que não esperava nada além de trocar algumas palavras, embora de suma importância para mim, pois pretendia entender por completo os motivos que levaram os meus pais viajarem para a América, afinal isso faz parte da minha história, uma parte incompleta, uma página arrancada, que pretendia reconstruir.
Entendi naquele instante a foto recortada que encontrara na caixa da minha mãe, e deduzi qual era a outra parte da foto, e quem estava nela.
A minha mãe tinha o hábito de expurgar seus desafetos das fotos, pegava a tesoura e recortava sem piedade, um jeito de dizer: " Você está fora da minha vida, desde sempre ".