Uma história de amor
A Gilda apareceu lá em casa assim, do nada! E adotou meu pai como morador preferido da nossa casa. Eis, então, a origem do nome da gata. O pai chamava Gildo. De tanto que a gata se enroscava nas pernas do pai pela casa, pelo quintal, batizei-a de Gilda. E o nome pegou. Quando ela chegou, era uma filhotinha magrelinha e enjoada. Miava e reclamava se o leite estava frio. O pai, pacientemente, esquentava. Se ficava quente demais, a gata se punha a miar, reclamando novamente. Mas, afinal, era o xodó dele.
A Gilda era uma legítima Short Hair Cinza. Trocando em miúdos, uma gata “vira-latas” daquelas tigradas, em tons variados de cinza. Os olhos eram verdes como esmeraldas. Escuros e profundos.
Um dia, descobrimos a Gilda grávida. O pai redobrou os carinhos e cuidados com a mesma. Passou a comprar ração de filhotes, pois ele julgava ser mais saudável para uma gestante de primeira viagem. Quando os bebezinhos finalmente iriam nascer, a decepção foi proporcional à alegria. Nasceu apenas um gatinho. Fotocópia autenticada da mãe, porém com olhos azuis. E fêmea. Pronto! Estava nascida e batizada a Gildinha.
Mas, como tudo na vida um dia tem de ter um fim, o vizinho colocou veneno para ratos em sua oficina (ele é marceneiro) e a Gilda, inadvertidamente, comeu do veneno e morreu embaixo do tanque da Vó Landa. O pai providenciou o féretro. Eu chorei. Todos choramos. Foi um dia muito triste...
A Gildinha passou a ter a atenção exclusiva do pai. Quando já tinha dois anos que a Gilda morrera, o pai caiu doente novamente. O câncer voltou a se instalar no corpo dele e foi muito voraz. Ele ia para o hospital todos os meses fazer quimioterapia e lá ficava por cinco, seis dias. Nestes dias, a Gildinha subia no parapeito da janela da sala e ficava miando, olhando o portão, esperando pelo pai.
Quando ele chegava, era só alegria. Ela fazia festa nas pernas dele. Como era verão e o pai tinha muito calor, intensificado pela doença, ele passava boa parte do dia no sofá, dormindo, assistindo televisão. A Gildinha dormia sobre as pernas dele. Às vezes, um ou outro levantava, dava um passeio e voltava para o sofá. À noite, o pai dormia em um quarto separado do da mãe. Para conforto de ambos. A Gildinha dormia com ele, aos pés da cama. Onde ele estava, lá estava a Gildinha, como uma fiel escudeira.
O pai não falava. Era mudo, pois na primeira fase da doença, teve de fazer uma traqueostomia e retirar parte da língua também. Mas havia comunicação entre os dois. Quando ele queria chamá-la, bastava estalar os dedos algumas vezes que ela aparecia.
Era bonita a relação de amizade e amor entre os dois.
Quando o pai foi para o hospital, pela última vez, era uma sexta-feira à noite. A Gildinha passou o sábado e o domingo miando sem parar. Era como se ela chorasse, percebendo a morte dele muito próxima. Ela alternava suas horas entre o parapeito da janela, a cama e a mesa de trabalho do pai, onde ela ficava vendo-o trabalhar, consertando liquidificadores, ventiladores e afins da família, vizinhos e amigos.
Na segunda-feira, às 10h20min, o pai morreu.
Na terça-feira, após o enterro, voltamos para casa.
A Gildinha estava desconsolada. Era visível sua tristeza. Ficou dias deitada na cama do pai, sem sair de casa. Apenas levantava para miar na janela, e fazer suas necessidades. Parou de comer.
De tanta tristeza, cerca de 30 dias depois da morte do pai, a Gildinha sumiu. Nunca mais a vimos.
Foi a mais linda história de amor que eu já vi.