NOBREZA MEDIEVAL X NOBREZA DECADENTE

De um velho caderno universitário, “ressurreição” de A ILUSTRE CASA DE RAMIRES - tradições portuguesas X síntese de homem português moderno.

ICR - romance de fidalguia: Casa dos Ramires antes da nação portuguesa, mais velha que Portugal. Família decadente, mas tradicional. Estirpe orgulhosa e de fibra. Herói problemático e realmente complexo.

EIXO DO ROMANCE - não campo / cidade, embora visão mais para rural.

IDADE MÉDIA - glória e virilidade em paralelo contrastante a crueldade e violência.

Há teóricos e críticos que veem neste livro uma sátira à NOVELA HISTÓRICA (ou reabilitação?), covardia como ideia nuclear, coexistindo a falta de auto confiança e reservas de energia que surgiriam num golpe emocional.

TESE DO AUTOR: nem ironia nem crítica amarga e agressiva ou ironia e sim carinhosa - exaltação laudatória do patriotismo.

ROMANCE COM NARRATIVA BIPARTIDA

FICÇÃO 1 - sujeito do enunciado (fato relatado), Trutesindo / sujeito da enunciação (quem narra o fato), Gonçalo, que sai de personagem de ICR a narrador menor da novela histórica: a cada ato do antepassado heróico, uma tibieza ou covardia do ultimo descendente masculino dos Ramires.

FICÇÃO 2 - sujeito do enunciado, Gonçalo sujeito da enunciação, narrador maior EÇA DE QUEIROZ: apresenta a vida real de Gonçalo, fidalgo empobrecido, fraco, dotado de bons sentimentos, não bastante fortes como freio da covardia, sem vontade própria (apenas de ser político). Em certos momentos, a expressão “Que maçada!”, junto a atos de bondade ou atenção para subalternos, soa como falsa demagogia.

CONTRASTES /situações opostas/

1-DE ATITUDES - GONÇALO MENDES RAMIRES, descendente dos famosos senhores, valentes e corajosos, de Santa Ireneia, solar mais antigo que o Condado Portucalense; bacharel em Direito, pequena renda, aspiração à política. Encontra Gouveia em Lisboa, amigo com mania de querer erguer Portugal, querendo fundar “Anais de literatura e de história”, que lhe sugere escrever novela sobre os gloriosos antepassados Ramires. Na quinta, à noite, gritos da cozinheira e pedras atiradas ao solar pelo arrendatário da terra, bêbado; o ‘atual’ Ramires refugia-se no quarto, barricando a porta.

2-AVILTANTE - Propõe arrendar a quinta ao Casco por 850 mil réis anuais, mas arrenda ao Pereira por 950, faltando à palavra dada, traindo o compromisso por mesquinho acréscimo. A novela histórica começa com “desavenças entre D. Afonso II e as Infantas D. Teresa e D. Sancha; perante D. Sancho I no leito de morte, Trutesindo Ramires jura defendê-las, mesmo ficando mal com o Reino e o rei”.

3-INCOMPARÁVEL - No aniversário da irmã, Gracinha, mais uma vez discute e arrasa o Cavaleiro que no passado a desprezara; na estrada, encontra o valentão Ernesto e foge. Na torre, volta à novela: “o bastardo Lopo, o Claro Sol, belo e bravo, glória da família Bayão, secular inimiga dos Ramires, ama D. Violante, filha de Trutesindo, e é correspondido; recusada a mão da jovem, tenta raptá-la, mas é vencido em curta briga e foge. Mais tarde, após desafios e muitos combates, defronta-se com o filho de Trutesindo, que é ferido e aprisionado”. Gonçalo sai a passeio, na estrada encontra o Casco, trabalhador de enxada, que lhe ergue duramente o cajado, foge em desabalada corrida.

4-DEGRADANTE- À noite, junto a dois criados armados, foi queixar-se ao administrador do Conselho, em Vila Clara, morrera o Lucena e lhe é sugerido aproveitar a vaga e se candidatar a deputado. Procura André Cavaleiro para ajudá-lo na campanha. “Trutesindo negara a fila ao inimigo para não magoar a pureza do lar” X Fidalgo procura submissamente o homem que no passado desdenhara sua irmã, com reconciliação imediata. Na novela, “Lourenço aparece amarrado, Lopo pede a mão da moça, o rapaz se antecede ao pai e nega, sendo apunhalado pelo Bastardo”. O Fidalgo parte para Oliveira, vê cena de amor entre a irmã e André, foge do palácio, envergonhado pela sua própria submissão.

5-DOLOROSO - Muitos contrastes entre a conduta dos antepassados Ramires na novela histórica X o comportamento de Gonçalo na vida real. Esperança vã de casar com a viúva de Lucena, mas que já tivera um amante. À noite, recorda sua existência inglória, condição de fraco, ironicamente o último descendente masculino da casa cantada em fado: “Velha casa de Ramires, honra a flor de Portugal”. Repassa vexames, servilismos e covardias e sonha que os antepassados, verdadeiramente valentes, lhe oferecem as armas da família, mas não se acha digno de recebê-las, apenas metido a valentão. Vai cavalgar certa manhã, leva fortíssimo chicote (pertencera a antepassado bravio?) encontrado por um criado, casualmente encontra Ernesto e num inconsciente arranque o chicoteia terrivelmente e um rapaz que o viera defender. Com isto, sente-se realmente homem, a notícia sai em jornais de Lisboa e o rei o nomeia Marquês de Freixedo, a partir daí popularizado e querido, fácil e festejada vitória como deputado. Seus solarengos iluminam a torre, Gonçalo vai visitar, sente o quanto seria insignificante sua vida de político, enquanto outros verdadeiros homens (industriais, sábios, artistas, pensadores) modelavam formas sempre mais bels e justas da humanidade. Pede um prazo, funda uma grande fazenda na África (esperança e solução para Portugal), prospera, retorna quatro anos depois, amigos o esperam em Santa Clara, Gouveia faz dele um excelente retrato em claro-escuro (oposições positivas e negativas) numa preleção de paradoxos, dualidade de caráter, temperamento de contrastes e diz que Gonçalo, vitoriosamente, em muito se assemelha a Portugal: defeitos e qualidades, perdão com amor.

FONTES:

“Dicionário de personagens de Eça de Queiroz” ---“As idéias de Eça de Queiroz”, cap. Ideias artísticas - Werneck, F. J. dos Santos, Agir, 1946 --- “Tese e antítese”, cap. “Entre campo e cidade”, Antônio Cândido, SP, Ed. Nacional, 1964 --- “Para uma análise estrutural da obra de EQ”, Cleonice Berardinelli - Lisboa, Revista Colóquio Letras -Fundação Calouste Gulbenkian, n. 2, junho/71.

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