OS QUINZE ANOS
Era para ser uma noite memorável. Aniversário de 15 anos é uma data muito importante. Naquela época, corria o ano de 1950, 15 anos significava muita coisa, entre elas, não usar mais laço de fita no cabelo, usar saltinho, poder ter um namorado, mesmo de longe, ir ao cinema só com as amiguinhas, sem precisar que Titia ou Vovó fossem para tomar conta. Namoro, só com “vela”, fossem as já citadas companhias ou a irmã mais velha, chata e mandona.
Corria Setembro, a Primavera estava no começo. O tempo era claro, ar suave, céu limpo. Perfeito para a festa.
Os salgadinhos foram encomendados, que luxo! Vieram debaixo de alvíssimos panos de morim, dentro de enormes tabuleiros de madeira. Os docinhos feitos em casa, colocados em papeizinhos coloridos, estavam distribuídos em bandejas prateadas, formando flores. As balas de coco, embrulhadas em papel de franja, caíam como cascata de uma fruteira de 3 andares. Uma beleza! O bolo seria surpresa; era um enorme coração cor-de-rosa, como se fosse uma caixa com a tampa semi-aberta de onde saíam bombons de verdade; era inteirinho decorado com pequeninas rosas de glacê.
Conseguira afinal o consentimento do pai e o dinheiro para fazer a festa que tanto sonhara! Nunca tivera uma festa parecida como a que estava sendo planejada e tão esperada! Tinha convidado todos os colegas de classe, mais os vizinhos, as amigas do bairro, um bando de mocinhas e rapazes, quase todos de sua idade. Seu pai não viria; como sempre, estava longe viajando. Depois que a mãe os tinha deixado, há uns 3 anos, pouco aparecia.
Na festa viriam umas 50 pessoas, às 7 h da noite, como era costume naquela cidadezinha do interior mineiro.
Ganhara adiantado um tecido para fazer o vestido para o grande dia. Todo azul, de organdi suíço bordado, o tecido mais em moda para moças e também o mais caro! Tinha a saia fartamente franzida, super rodada, cheia de anáguas engomadas, cintura fina, bem marcada, decote de ombro a ombro. Um pequeno buquê enfeitava a cintura e não precisava mais nada: o tecido cheio de flores pequenas já enfeitava o bastante. As sandálias brancas tinham saltos anabela, a primeira concessão dos 15 anos.
Durante parte do dia, tinha ajudado a empregada a limpar as duas salas onde seria a festa. Fizera questão de arrastar os móveis para limpar tudo, como se os convidados fossem reparar nisso e, afinal, essa limpeza era feita regularmente, não precisava tanto empenho! No cortinado que separava as duas salas, agora puxado para os lados com festões, foram colocadas guirlandas de flores delicadas. O piano, seu grande amor, luzia de tão lustrado que estava.
A tarde já estava ficando preguiçosa e querendo ir embora para a noite chegar.
Ela tomou um banho demorado, perfumou-se, vestiu-se, escovou bem a cascata de cabelos loiros, amaciados com babosa e banhados com chá de camomila, cheio de cachos, que desciam pelos ombros abaixo, calçou os sapatinhos brancos e foi ver se estava tudo em ordem. Mandou os primos se arrumarem, implicou com a empregada, suspirava tanto que parecia não ter ar suficiente para respirar.
Sentou-se na sala esperando.
Seus olhos se dirigiam a cada instante para a porta aberta da rua. Qualquer pessoa que passasse na calçada, recebia seu olhar ansioso. Os parentes da casa vieram também se sentar. As 7 e pouco chegou um amigo da família, esse não contava, era presença constante na casa. O tempo foi passando...
As sete e meia, mais ou menos, chegou um casal de namorados, colegas de classe, ambos filhos de famílias abastadas, muito pomposos e cerimoniosos. Recebeu a lembrancinha toda agradecida, uma caixinha de lenços bordados, convidou-os a sentar e ficaram tecendo comentários sobre coisas que aconteciam durante as aulas. O tempo passou mais um pouco, o assunto esfriou, estavam já todos meio incomodados. A Titia, providencialmente, começou a servir os salgados e as bebidas. A tensão relaxou um pouco.
Sorria, falava alto, procurava esconder atrás dos sons a angústia de seu pequeno coração, a humilhação que deixava seu rosto lindo de menina-moça tão corado. O amigo da família pediu que tocasse piano. Sentou-se e começou a tocar “Setember Song”, por que era seu aniversário e “Love Letters”, porque gostava. Depois parou, tinha vontade de chorar e não queria que vissem. Alegou sede, levantou-se e o recital terminou por aí.
Sopraram as velinhas, cortaram o bolo, cantou-se o “Parabéns a Você”, serviram os doces a três convidados, os parentes e ela. O casal foi embora logo, encabulado.
Entre os da casa, começaram os comentários sobre o que poderia ter acontecido. Ela não quis saber de nada, largou tudo, correu para o quarto já aos prantos e foi se deitar. Chegou a pensar que tinha havido um engano. Quem sabe não haveria uma surpresa amanhã? Devia ser uma brincadeira. Amanhã, quem sabe, viriam todos. Ilusão passageira, ela sabia que não viriam. Chorou tanto que o cansaço a fez adormecer.
Do fundo do coração a razão emergia a lhe contar segredos: afinal uma cidadezinha tradicionalmente mineira, nos severos e preconceituosos anos 50, dificilmente esqueceria que sua mãe tinha deixado a família e se fora em outra companhia! Ela era a filha que ficara para trás. Sim, tinha havido uma quase total rejeição da sociedade, isso ela teria que suportar para o resto de sua vida. Isso e mais, teria que encarar a turma da escola no dia seguinte. Encontraria as amigas do bairro. Escutaria mentiras, desculpas, faria cara de aceitação, cara de quem acreditava. Não se lembra quantos noites chorou em seu quarto, sozinha, desamparada, imensamente envergonhada, revoltada, indignada...
Embalou-se na amargura e na vergonha. Sufocou, fingiu esquecer.
Espera até hoje conseguir isso!