O SONO
Dormia, quando, subitamente, fui acordada por passos no corredor. Eram passos marcantes, que não se importavam em me despertar no meio da noite. Talvez estivesse implícito o desejo de me assustar, me inquietar...
Levantei-me com muito frio, coloquei o cobertor nas costas e fui certificar-me de que não era o passado querendo voltar, como presença absurda .Talvez fosse apenas um eco...
Fui então pega por aquele olhar. Ele estava parado, e, com uma maleta na mão, me dizia que saíra do consultório após a última cliente, às 22 horas. Depois, andara em vão pelas ruas. Já era madrugada.
Eu não entendia o porquê de sua presença, após tantos meses de separação. Balancei a cabeça, como se quisesse acordar, arregalei os olhos e não conseguia proferir uma palavra. Ele sorriu, abriu a cristaleira e tirou uma bebida, e o copo, servindo-se como sempre fazia nos idos tempos. Ofereceu-me; balancei a cabeça negativamente. Já havia tomado meu sonífero e o que ele fazia perturbava meu sono e tudo que havia traçado em termos de separação. Não! Eu não retrocederia! Após alguns goles, diante de meu mutismo, pegou-me pelos braços e olhando firmemente disse:
- Senti uma saudade doida de você hoje. Não consegui ir pra casa, uma angústia me oprimia, a sua falta me fazia impotente diante da vida, e até no trabalho eu tive dificuldades...
Eu, meio tonta, respondi: - Cara, cansei! Tô fora! - Ele me olhava perplexo, nervoso, e eu continuava: - Pensa que aqui as portas estarão sempre abertas? Basta um piscar de seus olhos? Por que não me entregou essas chaves? Nunca pensei que tivesse o desplante de aparecer aqui passados seis meses de nossa separação. Confiava na sua delicadeza e por isso sequer troquei as chaves. Ora, você sempre foi um cavalheiro e, agora, invade meus aposentos qual um ladrão? Fora! Saia de minha vida para sempre!
Ele parado me olhava. Seus músculos faciais estavam tensos. Eu estava histérica. E ridícula com aquele cobertor nas costas. Parecia cena de filme de quinta categoria. Que merda! - pensei. O que faço agora? Peguei uma garrafa de vinho e tomei duas taças. Não morreria por isso. E, se morresse, seria melhor que passar as noites insones, os dias vazios, à espera de um futuro sem nenhum prenúncio de alegrias. Marasmo era a palavra que definia minha vida. Observei-o mexendo no jarro de flores e retirando uma, começou a alisar suas pétalas. Perguntei:
- Você sabe o que significa gineceu? Mas claro que não!
Ele confuso disse que eu agia sob efeito de medicação, não parecia bem da cabeça...
Olhei-o e disse com firmeza: - Saia, pois há muito tempo outro divide comigo essa cama, esse cobertor, e tem o meu carinho. Minha sensualidade anda à flor da pele. Sabe como as trocas sexuais, após um longo período de mesmices, nos revigoram, não?
Ele se descontrolou e disse:
- Outro? decerto já existia antes de terminarmos.
Disse-lhe : - Certamente. Você andava tão inapetente, que eu já me julgava uma flor murcha, e ele reativou meu fogo, meu lado selvagem, a fêmea que estava adormecida.
Levei então um tapa na cara; dei outro. O cobertor que estava comigo caiu. Estava nua. Um ímpeto selvagem fez com que me abraçasse e me beijasse com sofreguidão. Empurrei-o cuspindo, fingindo ânsias de náuseas, e disse:
- Não está sentindo o cheiro do outro que saiu há uma hora atrás? E ri.
Seu rosto crispou-se .
Ao sair disse com raiva, despeito e amor-próprio ferido:
- Até nunca mais! Sinto nojo de você. Para mim, não passa de uma mulher devassa.
E fechou a porta.
Sorri .
Deitei e dormi feito um anjo.