COMO MORREU JESUS CRISTO
Eu e a Inca tínhamos terminado a nossa catequese para a primeira comunhão em Arapongas. Estávamos bem preparados e doutrinados com nossas rezas afinadíssimas para receber Jesus na comunhão. O pai neste meio tempo resolveu mudar-se para Presidente Venceslau.
Chegamos às vésperas do Natal na hospitaleira e pacata cidade de Venceslau no final do ano de 49. As ruas sem calçamento com a grama por fazer era desenha graciosamente com dois sulcos, bem ao centro em areia deixados pelas poucas conduções que por ali transitavam. Tudo anunciava a tranqüila vida que existia por ali.
Já de chegada no primeiro domingo o pai nos levou a Igreja para nos apresentar ao padre. Todo orgulhoso já foi contando vantagem de que seus dois filhos mais velhos estavam preparados para a primeira comunhão. Frei Dionísio não duvidou e até abençoou, mas como São Tomé que era pediu para que eu e a Inca viéssemos já na segunda, na casa paroquial para o exame de praxe.
Eu e a Inca demos mais algumas repassadas nas orações e lá fomos nós para o exame confiantes da aprovação.
Primeiro fui eu, sem qualquer problema fui aprovado conseguindo assim o aval para receber o Cristo e com isto salvo do fogo eterno. A Inca foi logo em seguida. Fiquei por ali para no caso de dúvida dar uma ajudinha se fosse necessário.
Frei Dionísio apresentava um grande problema estrutural de esqueleto; Tinha o pescoço fiincado no tronco sem a dobradiça que permite o indivíduo movimentar a cabeça de um lado para outro livremente – Era tudo fixo sem movimento algum - e com isto para ele olhar para qualquer um dos lados tinha que mover toda a carcaça também. Sabendo disso me pus estrategicamente atrás do Padre para poder com sinais de braços, mãos, dedos e boca ajudar a Inca na hora do sufoco.
O Frei pergunta uma coisa e a Inca de pronto responde; manda rezar o pai nosso que na época era o padre nosso e a Inca tira de letra. Manda fazer o sinal da cruz e ela o faz com maestria. Quando já estava por terminar o interrogatório ele pergunta para a Inca:
- Minha filha, como última pergunta quero que me responda como morreu Jesus Cristo o filho de Deus.
A Inca pensou, pensou, olhou de um lado e olhou de outro e finalmente, desesperada olhou para mim. Eu fiz com os dedos indicadores o sinal da cruz e com os lábios eu repetia, repetia pausadamente: - Morreu na cruz. E a Inca, branquelinha, de cabelos loiros compridos, suando frio estava perdidinha da silva num longo e cruel silêncio. O frei olhando no relógio, coçando a cabeça e ajeitando a batina resolveu dar então uma ajudinha e com isto acabou matando a charada para a Inca:
Pense minha filha – falou o frei no desejo ardente de ajudá-la. Pense em alguma coisa bem triste muito triste mesmo. Pense em alguma coisa cruel.
A Inca com o dedo indicador na ponta da boca e de olhos virados para o alto começou a divagar em pensamentos tantos. Pensou, pensou muito e de repente veio na lembrança dela uma cena muito triste que tinha presenciado algum tempo passado.
Estávamos em Apucarana, voltando do Hospital quando da visita à mana Laura que tinha sido operada de apendicite. Estávamos acompanhados do papai. Ao virarmos uma esquina deparamos com uma cena que nos chocou. Estavam ali adiante quatro pirralhos de chacota com um bêbado que prostrado caído na valeta não podia fazer nada contra aqueles monstros que também jogavam pedras gritando: - Morra seu bêbado vagabundo, filho de uma puta. Nosso pai imediatamente afugentou aqueles vadios indo solícito acomodar melhor o bêbado na calçada. Na volta pra casa comenta:
- Vocês viram que coisa mais triste?! Coitado daquele homem ia morrer bêbado e apedrejado por aqueles moleques sem vergonha!!! A Inca ainda estava por estes pensamentos quando o frei a interrompeu:
- E daí minha filha, qual é a resposta?
Eu fiz mil sinais da cruz para avivar a sua memória; Só me faltou, imitando a voz dela como um ventríloquo responder a questão, mas nada disso adiantou, ela de chofre responde:
- Morreu bêbado e apedrejado.
Frei Dionísio se transfigurou, arregalou os olhos como se tivesse visto o capeta não acreditando no que acabou de ouvir; benzeu-se todo jogando água benta por cima da Inca e aos berros mandou o coroinha imediatamente chamar o nosso pai.
O pai chegou todo assustado e o frei alucinadamente disse:
- Só não vou excomungar vocês porque não tenho poder para tanto, mas vou passar uma baita penitência para ser cumprida para que este sacrilégio possa ser apagado.
Meu pai aceitou a penitência contrito e sem entender a tremenda bronca recebida. Quando de volta para casa é que relatei o que aconteceu, pois o frei não se atreveu a repetir para o pai as palavras que a Inca tinha proferido com medo de ser devorado por um raio ou ir morar eternamente nas profundezas do inferno.
A Inca só foi receber a primeira comunhão um ano depois quando já o frei Dionísio não mais estava na paróquia. Toda vez que ele passava por ela fazia o sinal da cruz e tremendo de medo mudava de rumo.