O HOBBY DO SACRISTÃO

Pedro Severino de Abreu, nome de batismo. Por ser pequeno, desde criança, e sofrer de raquitismo, ficou conhecido como Pedrinho. Pedrinho era oriundo de família pobre, de prole numerosa, era o oitavo de doze irmãos, somando-se aos pais, eram quatorze bocas para comer, vestir, etc.. Portanto a família de Pedrinho, a exemplo de tantas famílias brasileiras, vivia com dificuldades, enfrentando as adversidades inerentes à situação.

Quando o moleque completou dez anos, começou a exercer o ofício de acólito, também conhecido como sacristão ou coroinha, dependendo do lugar ou região do país. Sacristão é uma espécie de ajudante do Vigário. Cabe ao mesmo, cuidar da limpeza e manutenção do templo, organizar roupas e paramentos do sacerdote, zelar a sacristia, além de assessorar o padre por ocasião da Santa Missa, tocando a sineta, levando o vinho e a água para o altar na hora da consagração, ajudar na hora da comunhão, entre outras atividades.

Pedrinho encarou todas as responsabilidades que o ofício exigia, logo cedo, por dois bons motivos: Primeiro, a necessidade de ajudar a família, pois como bem sabemos era pobre e, à proporção do possível, todos tinham que ajudar; O segundo, a referida família era tradicionalmente católica. Certo é que, desde o início, Pedrinho adaptou-se de tal forma ao ofício, caindo nas boas graças do Vigário, que praticamente o adotou.

Agora, já com seus vinte e dois anos, Pedrinho continuava em seu mister, o que fazia com prazer, pois amava sua profissão, no que era por todos aceito e reconhecido, como já foi citado aqui.

Havia duas coisas que Pedrinho gostava. Uma delas, como sabemos, era seu ofício de sacristão, a outra era uma espécie de hobby, o que quase todo ser humano tem. Uns colecionam coisas, outros gostam de animais, já alguns é de viajar, pescar, caçar, etc.. O hobby do nosso sacristão era o esporte, principalmente o futebol. Além de jogar uma pelada no campinho com a rapaziada, nas horas de folga, acompanhava pela televisão, rádio, jornal, revistas, etc.. Os campeonatos; internacional, nacional, estadual, local, profissional ou amador, sabia de cór, nome de times, seleções, jogadores, técnicos, se preciso até de massagistas e roupeiros. Era uma verdadeira fixação obsessiva. Se não tivesse em sua ocupação, aliás, a única coisa que o fazia esquecer, estava ligado na TV, lendo crônicas esportivas, ou debatendo com amigos, campeonatos, jogadas, gols, etc.

Por esta ocasião a paróquia _Nossa Senhora das Graças _adquiriu uma emissora de rádio AM, que apesar de ser uma emissora de cunho religioso, salvo a transmissão de alguns programas de Igreja, em determinados horários, também transmitia em sua programação, programas musicais, esportivos, etc.

Pedrinho viu aí a realização de um grande sonho; Fazer parte da equipe esportiva da rádio. A partir deste momento, começou a perturbar o Vigário, que era o manda-chuva, pois embora a emissora tivesse um diretor, a palavra final era do padre. O sacristão, sempre que tinha oportunidade insistia: _Padre Aurélio, deixe-me fazer parte da equipe de esporte, pois eu sei tudo sobre o assunto. O Vigário sabia que Pedrinho gostava de esporte, mas não imaginava tamanha a intensidade e o desejo do mesmo. Pensava que fosse questão de vaidade, pelo fato da novidade, mesmo assim, tinha receios que o sacristão relaxasse em seu ofício, visto que, não queria perdê-lo. Por estes motivos ia, como se diz, empurrando com a barriga, mas sempre dando esperanças para não desgostá-lo, dizia: _Vou ver o que posso fazer Pedrinho. Tenha calma. O sacristão insistia: _Mas padre, eu assisto a programação da rádio, garanto-lhe entender mais da matéria, que qualquer um deles. O padre respondia: _Acredito em você, rapaz. Mas como já lhe disse, eles pagam o horário; mas não se preocupe, vou ver o que posso fazer.

Assim iam passando dias, meses, e nosso sacristão não desistia, ao contrário, cada vez mais acirrava em seu íntimo uma ferrenha vontade de participar, mostrar a todos, que não era bom somente no ofício da sacristia, mas sim, também no seu amado mundo esportivo.

Diz um velho e conhecido adágio popular, que: “A araruta também tem seu dia de mingau,”, ou seja, nesta vida tudo tem seu tempo certo. Não é que foi programado e anunciado um grande evento esportivo. A seleção local, iria enfrentar, a também seleção, de uma cidade vizinha, um acontecimento inédito; a emissora iria transmitir o evento, direto do estádio municipal, uma verdadeira festa. Pedrinho não aguentava de ansiedade, vontade e desejo, não só de assistir, mas também de participar, pois ele melhor que ninguém, conhecia todos os jogadores, técnicos, manhas e catimbas. Após a missa das sete, o sacristão voltou a abordar o vigário:- Padre Aurélio, a partida será domingo, ainda faltam três dias, coloque-me na equipe. Ainda dá tempo! O padre como sempre desconversava:_ Meu rapaz, não perca a esperança! Lembre-se:_Deus escreve certo, por linhas tortas: _Quem sabe?

Afinal chegou o grande dia. A cidade amanheceu em clima de festa. Meio dia, na hora do programa esportivo, comentários, entrevistas, desafios entre as partes, tudo que antecede uma disputa de futebol. Enquanto isso, o pobre sacristão, assistia tudo em seu radinho de pilha, desolado, imaginando-se estar também participando, entrevistando, comentando, etc... Mas qual nada, eram apenas sonhos, mas mesmo sonhos, podem transformarem-se em realidade, e bem disse nosso Vigário: _Deus escreve certo, por linhas tortas.

Não é que um membro da equipe, o locutor de pista, adoeceu de repente. Febre alta, moleza no corpo, suspeita de catapora. Logo em cima da hora. E agora? Quem irá substituí-lo? Tem que ser alguém que entenda. Quem seria? Padre Aurélio estava na emissora por acaso, e escutou os comentários. Uma luz ilumina o rosto do velho Vigário, que dirigindo-se à equipe disse: _Meus jovens, eu sei de alguém que pode perfeitamente substituir este rapaz. Todos se calam, pois respeitam o Vigário. Um indaga:_Diga-nos, senhor padre, quem seria esta pessoa? O Vigário responde:_ O meu sacristão, Pedrinho. Faz tempo que ele vem me pedindo uma oportunidade, afirmando que sabe tudo sobre esporte.

O fato de Pedrinho gostar de esporte não era desconhecido, tanto é, que todos concordaram. Aceitação aprovada, o Vigário disse: _Vou agora mesmo até à Igreja dar-lhe a notícia. Totalmente entretido em seus afazeres, o sacristão não viu o padre entrar na sacristia, foi pego de surpresa quando o mesmo falou: _ Alvíssaras! Meu caro rapaz, você vai participar hoje da equipe esportiva. Pedrinho custou acreditar, tal a alegria e emoção que dele se apoderou. Foi preciso que o vigário repetisse varias vezes. O sacristão correu até a Rádio, onde combinou tudo com a equipe, pois faltavam poucas horas para o início da partida. Neste intervalo de poucos minutos, aproveitou para avisar a família, aos amigos... Como era bastante conhecido na cidade, logo todos ficaram sabendo da sua estréia.

Apenas para o leitor melhor assimilar, é necessário que se explique o seguinte: Numa transmissão esportiva, trabalham, além da técnica, três profissionais. O narrador, que fica sentado na cabine narrando o jogo, o comentarista, que também fica na cabine, e o locutor de pista, este vai para a beira do gramado. Campo. Sua função é, nos intervalos e no final do jogo, entrevistar jogadores, técnicos, bem como, nos espaçamentos, na hora do jogo, ao comando do narrador, tecer pequenos comentários. Esta seria a função, do nosso querido sacristão locutor.

Tudo pronto. Estádio cheio. Times no campo, árbitros, comissão, aquele clima de festa pairava no ar. Na beira do gramado está o nosso herói Pedrinho, vestindo a camisa da equipe, empunhando o microfone, heady-fone nos ouvidos, andando pra lá e pra cá, apenas aguardando a hora da tão esperada estréia. O juiz coloca a bola no centro. Rola a bola, começa o jogo, as torcidas se agitam: gritos, vaias, aplausos, assobios, tudo que não pode, e nem deve faltar numa partida de futebol. Pedrinho está uma pilha, não para de andar, de cá pra lá, de lá pra cá, apenas aguardando sua deixa.

O narrador começa. Lá vai rolando, passa pra cá, rola dali, rola daqui, passa pro zagueiro, que passa pro atacante, prepara pra chutar, passa para a perna esquerda que é boa, chutou... Passou raspando o travessão, você viu meu caro Pedrinho? Você que é o mais novo estreante profissional na nossa equipe, dê a sua opinião abalizada, pois o microfone da nossa emissora é todo seu. Esta era a famosa deixa. Pedrinho tremia como geléia, a adrenalina corria solta em suas veias. Empunhando o microfone e, levando-o à boca, falou com voz trêmula:_Muito obrigado, levarei este microfone para casa, como prova de grande recordação.

Não deu outra, o estádio explodiu em vaias e gargalhadas. Pois não é, que o coitado do sacristão, de tão nervoso e empolgado, esqueceu a partida, e quando o narrador enfeitando a deixa disse: O microfone é todo seu. Respondeu, que o levaria para casa como recordação.

A partida continuou, o narrador tentou consertar, explicando que o sacristão era estreante, o nervosismo, etc.. O pobre coitado, meio acabrunhado, permaneceu, mesmo assim, até o final da partida. Mas depois dessa, nunca mais quis fazer parte de equipe alguma. Resolveu dedicar-se de corpo e alma, a sua sacristia, pois lá, mesmo que de vez em quando cometesse algum erro, não havia platéia para vaiá-lo, quando muito, um corretivo de leve do Vigário.

Ignácio Santos.

ignacio santos
Enviado por ignacio santos em 26/10/2016
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