Reinaldo "Rohr" Pereira: "O frio é psicológico"
Nunca houve inverno tão frio nos 3 anos e algo que passei na Dinamarca. Diziam que só durante a Segunda Guerra, quando o Estreito de Oressund congelou e os alemães atravessaram por ali para invadir a Suécia, a temperatura tinha descido tanto.
E em especial aqueles últimos dias de 1979, quando recebi as visitas do Paulo Miranda e do Reinaldo “Rohr”. Reinaldo, na verdade, já chegou quase na virada do ano. Antes, passou uns dias na casa do Renzo Pieroni, cunhado do Jonba Freitas, no Rio de Janeiro, curtindo praia e de lá me ligou dizendo que estava tudo pronto para conquistar a Escandinávia e que em alguns dias chegaria a Copenhague. Aproveitei pra dizer que estava frio, e que podia esfriar mais. Ele garantiu que viria agasalhado, aí me tranquilizei.
No dia da chegada no Aeroporto de Kastrup, levei o Iúri, meu filho, na época com uns 5 anos, doido pra rever o Tio Reinaldo. Minha alegria de encontrá-lo era enorme, já imaginava os papos, as farras e as músicas que iam rolar aí, como de fato rolaram. Saímos da geleira de fora do aeroporto e entramos.
Do portão de desembarque surge o amigo querido, mas qual não é a minha surpresa quando o vejo portando uma ... os mais novos não saberão, mas eu falo mesmo assim – portando uma blusa “ban-lon” de gola alta. O “ban-lon” era um tecido sintético que podia esquentar o corpo no maio-junho pitanguiense, de 12 a 15 graus .... positivos, mas não os 15 negativos copenhaguenses, associados ao vento cortante lá fora do aeroporto.
Como o frio que eu lhe tinha anunciado, de 1 a 3 negativos tinha subido (é, o frio subiu) para 15 negativos, fui mineiramente prevenido, levando uma bolsa de plástico verde – lembro até da cor – com tudo que ele ia precisar: camisas e meias, um casaco largo de pura lã e, principalmente, botas acolchoadas com material isolante. Assim ele estaria garantido.
Nem nos cumprimentamos direito e ele, rosto queimado e feliz, com cara de Copacabana, me apresenta uma amiga que tinha conhecido na viagem. Era uma finlandesa, acho que se chamava
Annikki, muito bonita e simpática, que tinha embarcado em Madri. Fiz as honras da casa aos dois “estrangeiros”, eu me sentia já um dinamarquês, com quase três anos de Copenhague, e passei logo ao fundamental, mostrando-lhe a sacola e os agasalhos.
- Pode ir lá no banheiro e botar isso tudo, que o frio tá além da conta, além do vento, que tá cortando que nem caco de vidro.
Ele olhou-me com um ar superior e condescendente com os pobres mortais, que nem eu, e disparou a frase antológica: “frio é psicológico”.
Conhecedor da peça, sabendo que não adiantaria discutir, passei logo ao próximo passo, ou seja, sair do aconchego do aeroporto, a uma temperatura agradável de 21 graus positivos e enfrentar lá fora os 15 negativos, com as rajadas de vento de gorjeta. Quando os quatro cruzamos a segunda porta do saguão do aeroporto e sentimos o ar gelado na cara, ainda virei para trás para ver se “alguém” mudava de ideia, mas “alguém” se manteve impávido colosso.
O vento cortava, e fomos para a parada de ônibus. Por alguma razão, que não me lembro, não fui de carro buscá-lo, e o estado do tempo estava atrasando os ônibus. Pois não passou um minuto. Escutei-o puxando conversa com Iúri e com a finlandesa, eu de olho atento nos ônibus que passavam. Virei para dizer algo e só vi “alguém” correndo atabalhoadamente para as salvadoras portas do terminal de passageiros, deixando-nos sem aviso, sem adeus nem despedida. A finlandesa não entendia nada, disse-lhe que esperasse um pouco, que íamos salvar nosso amigo, e saí normalmente, claro que morrendo de rir, já que o pior tinha passado. Ao reencontrá-lo, cara quase congelada, tremendo de frio, eu rindo ainda da cena, ele disparou:
- Me dá tudo, me dá tudo, tô quase morrendo de frio.
Entreguei-lhe a sacola e daí a pouco saiu do banheiro todo empacotado. E empacotado ficou uns dois dias, inclusive no “reveillon” 79/80, sem sair de casa, de roupão grosso ao lado dos canos de calefação, lendo, tocando violão e escutando música, traumatizado com o frio, que, então, dentro do apartamento quentinho, realmente, já era psicológico.