Helena

Ela surgiu de repente, como um cometa grandioso e cintilante, de luz própria, arrebatador, encantando os mais diferentes olhares e corações. Parecia um furacão vindo do mar, feroz, incontrolável, devastador, porém suave, com um nome doce de mulher.

Todos os compositores que estavam à minha volta naquele momento ficaram completamente hipnotizados, estáticos, mudos diante de sua beleza incomum. Ela era uma das mais perfeitas obras arquitetônicas já produzidas pela natureza, a oitava e mais incrível maravilha do mundo. Um monumento lindo e exuberante. Era uma Helena, aquela que de tão bela foi a causadora de históricas batalhas durante dez anos entre gregos e troianos. Aquela que, como diz a nossa maravilhosa colega Amelinha, "faz o homem gemer sem sentir dor.”

-Olá maestro. Eu quero fazer uma partitura para registro.

O timbre grave e másculo de nossa protagonista foi um golpe fatal, um direto biônico, nuclear, atômico e indefensável no pau do meu nariz.

– Pois não? – Respondi meio sem jeito.

–Meu nome é André Alves, sou transformista e humorista. Meu personagem chama-se Helena de Trolha. Vim fazer o registro de um hino em homenagem a parada gay que vai começar dentro de alguns minutos. Minha música foi escolhida para ser executada pela “bandinha cor-de-rosa” que anima todo ano a nossa parada... Pena que a "bandinha cor-de-rosa" ainda não tem maestro.

Os meus “mui-amigos” compositores, sem a menor cerimônia, foram saindo, um por um, e me deixando ali sozinho com ela em pessoa, Helena de Troia, ou melhor de Trolha da Lapa.

Assim que acabei de escrever sua partitura e solfejar sua melodia, fui encaixotado por uma onda gigantesca de bonecas e bonecos que tocavam rebolantemente seus instrumentos musicai, que me deram uma batuta e me conduziram forçosamente à regencia da descontraída "bandinha cor-de-rosa", executando marchinhas famosas de João Roberto Kelly:

-Olha a cabeleira do Zezé, será que ele é, será que ele é?

-Maria Sapatão, sapatão, sapatão. De dia é Maria de noite é João!

Depois de todo esse bolo doido, voltei as minhas partituras na rua do Passeio Público e muitos dos meus amigos compositores ficaram me

olhando meio escabreados quando souberam aceitei o desafio de ensaiar e reger a “bandinha cor-de-rosa” todos os anos para a alegria da parada gay. E não tem essa de eu tentar explicar sobre o meu infinito amor ao ser humano, minha eterna devoção à arte musical. Tão dizendo pelos quatro cantos da Lapa que minha Coca-Cola quer virar Fanta Uva. É mole?

Dudu Fagundes O Maestro Das Ruas
Enviado por Dudu Fagundes O Maestro Das Ruas em 23/10/2016
Reeditado em 24/10/2016
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