O GRINGO.

É mesmo o fim da picada, coisa de fim de mundo, a história que me contaram aqui na rua do Passeio Público. Um gringo conseguiu dar a maior volta em toda a malandragem da Lapa. Um fiasco tão improvável que duvido muito que Madame Satã, Miguelzinho Camisa Preta, Kid Morengueira e outros baluartes da velha malandragem lapística pudessem imaginar um dia.

Devia ser umas dez horas da manhã quando o tal do Paul apareceu na Lapa. Saracoteou pela rua do Riachuelo com camisão estampado, cabelos louros, olhos azuis e com um perfume que vagabundo nenhum

havia sentido por essas glebas. O boteco do Formiga já formigava literalmente àquela hora da manhã. Malandro dava cabeçada, rapaziada doida, ainda em jejum, ávida por dar o primeiro golpezinho do baú no primeiro otário que aparecesse pelas adjacências. O tal do Paul empurrou a portinhola do formiga já vomitando a novidade:

– Vim aqui fazer "negócia."

Silêncio total. As palavras do gringo cortaram o ar pesado, penetrando como uma flecha naqueles corações carcomidos de maldade.

– É coisa séria. Envolve muito "dinheira."

O tal do Paul era o cara, um profundo idiota caído de pára-quedas

naquele antro de margiranhas.

– "Procisa" ser em particular.

Um malandro meteu o pé na parede de fundo falso do Formiga.

Do outro lado surgia a sala da justiça do bicho, a bate caverna dos

morcegos do crime, a gruta secreta de Ali Babá e seus muito mais de

quarenta ladrões. A rapaziada foi entrando, sentando e olhando pras ventas do gringo. O último salafrário a entrar empurrou a falsa parede de volta pro lugar. Foi o tal do Paul quem deu início àquela reunião

mais que sinistra:

– Estou "fuginda" da CIA, da FBI, da KGB, da MOSSAD, da SCOTLAND YARD, da INTERPOL, da BOP, da POLÍCIA FEDERAL. Roubei uma fórmula secreta da governo "americana", capaz de transformar qualquer "dinheira" do mundo em DÓLAR!

A rapaziada, tudo macaco velho com Phd no artigo 171, não deu a menor bola para a conversa fiada do gringo. Até que o tal do Paul tirou de dentro de uma valise estilo 007 um tubo de ensaio com um liquido meio avermelhado. Puxou a sua tampa e logo esvoaçou uma fumaça muito cavernosa pelo ar. Abriu um pedaço de papel celofane,

enrolou-o em uma nota mixuruca de um real, salpicou um pouco do

tal líquido vermelho por cima, sacudiu de um lado para o outro e... Tham tham tham! Estava lá, diante de toda a platéia arregalada, a mais incrível transformação de todos os tempos: a nota de um real transformou-se em uma nota de um DÓLAR! Parece que foi o Tião Nervoso que gritou:

– Pô gringo, faz de novo!

Dessa vez o tal do Paul enrolou foi uma nota de dez reais no papel

celofane, borrifando um pouco da sua formula secreta. O milagre

se fez maior e mais sobrenatural ainda. Os dez reais se transformaram em dez DÓLARES.

A rapaziada ficou muda e embasbacada por mais uns vinte minutos

quando o líder do grupo, Pedro Maldade, quebrou o silêncio:

– Diz aí gringo, qual é a tua que nós tá contigo e não abre!

O tal do Paul ficou super á vontade:

–Estou "fuginda" hoje pro Colômbia hoje, mas eu "precisa" de "dinheira." Eu transformar o "dinheira" de vocês em dólar e vocês me dão apenas um por "centa" de todo "dinheira" que eu transformar."

Os olhos do Zéca Alicate chegaram a brilhar. Era um negócio da

China, ou melhor, da Lapa. Uma oportunidade rara de se fazer de uma

vez por todas na vida.

Conversaram secretamente durante duas horas. Discutiram ideias, traçaram planos, criaram estratégias, tentando encontrar um jeito

de colocar uma bolada de “dinheira” no papel celofane do gringo.

Chico Mão Grande olhou pros ponteiros do seu relógio cebolão roubado

de um senhor aposentado no sopão da travessa do Mosqueira e se

espantou com o adiantamento das horas:

– Se "vamo" "fazê" alguma coisa tem que ser logo. O gringo vai embora ainda hoje pra Colômbia!"

Resolveram não perder mais tempo. Era realmente hora de agir.

Roubaram seis carrões importados do estacionamento subterrâneo na cinelândia, na praça Mahatma Gandhi e seguiram em altíssima velocidade pela rua das Marrecas na direção do morro do Ranca Dedo. Chegando lá, explicaram toda a situação para o dono do movimento, que vinha a ser meio irmão de um dos integrantes do bando, o Tião Malvadeza. Conseguiram descolar emprestado um grande número de ferramentas de peso. Granadas, fuzis, metralhadoras, caixas e mais caixas de munição, morteiros, bazucas, minas terrestres, lança rojões, capacetes israelenses e equipamento de visão noturna, embora ainda fosse de dia. Dizem que até um helicóptero entrou na parada para um possível ataque aéreo. Depois assaltaram, com incrível facilidade, os seis primeiros bancos que encontraram pela proa. Prenderam

os diretores no cofre, arrancaram os dentes de ouro de um juiz aposentado, tomaram as bijuterias dos funcionários, meteram um monte de cascudos nos vigilantes, deixaram os samangos só de cueca.Raparam até a beirola do tacho das agências, voltaram pro morro do Ranca Dedo. Incendiaram as carretas no microondas, devolveram as ferramentas para o dono do movimento, prometendo uma gorjeta arregada para os seus meninos, seguiram voados para o bar do formiga, onde reencontraram o tal do Paul e depositaram toda aquela grana suada, ou melhor, roubada em suas milagrosas mãos. O tal do Paul não perdeu tempo, se trancou no esconderijo secreto do bar do formiga, cerrou a parede de fundo falso atrás de si, dobrou as mangas e se entregou de corpo e alma ao seu oficio de transformar areia em pó de ouro, ou melhor, real em DÓLAR!

A rapaziada feliz da vida, resolveu organizar um campeonato de sinuca pra poder relaxar um pouquinho depois da manhã de trabalho duro. Os meninos do morro do Ranca Dedo vieram em peso torcer pelo Tião Malvadeza, o que era meio irmão do dono do morro onde residiam e exerciam seus ofícios de vagabundagem. Quem adentrou o bar do formiga naquele dia comeu e bebeu de graça, tudo por conta dos mequetrefes que pareciam ter esquecido da vida.

Depois de horas e horas de muita alegria e descontração em torno do campeonato de sinuca, Chico Mão Grande olhou mais uma vez para o seu relógio cebolão roubado do pobre aposentado na fila do sopão da travessa do Mosqueira e achou estranhíssima a demora do gringo.

– Pô, assim ele vai perder o “learjet” fretado!

Dessa vez foi o próprio Formiga quem empurrou a parede de fundo falso do bar... Para a surpresa e assombro de todos, o gringo havia evaporado com toda a bufunfa do bando e ainda deixou um bilhete para confortar os nossos desconsolados malandros da Lapa e os meninos do morro do Ranca Dedo, antes de virar ninja:

– Obrigado amigos! Eu estava mesmo afim de me aposentar dessa vida laboriosa de vigarista. Trabalhei muito tempo, tinha mesmo direito a esse fundão de garantia. Obrigado pelo "dinheira." Adeus baixinhos! Beijinho beijinho, tchau tchau... Fui!

– Foi pra onde? Como?!!!

É o que toda a malandragem da Lapa e os meninos do morro do Ranca Dedo estão até agora querendo saber.

Dudu Fagundes O Maestro Das Ruas
Enviado por Dudu Fagundes O Maestro Das Ruas em 23/10/2016
Reeditado em 24/10/2016
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