A pessoa ao lado
Imagine-se na rua quase deserta, numa manhã de domingo chuvoso de uma metrópole brasileira. Você anda distraída e se dirige ao supermercado. Está tentando entender e praticar a simplicidade, a fim de ser alguém melhor e escapar aos golpes internos e externos. Agora você está quase chegando ao seu destino e é interpelada por um homem aparentando cinquenta anos, cabelos pretos, com vestes simples, baixa estatura e barriga sobressalente, parado em frente a um banco. Você sai de si e olha para o homem. Ele te pergunta se não está com pressa. Logo em seguida, percebendo que o escuta, pede para que o ajude a fazer um saque no caixa eletrônico. Suponhamos que você, meio hesitante, decida fazer esse gesto de solidariedade, caridade. Tudo bem se tivesse se recusado. Estaria com pressa e, ainda, entende que são gestos isolados que não transformam as relações sociais e nem resolvem a questão para todos. O banco deveria ter alguém ali para promover o acesso. Mas você entrou no estabelecimento e ele pediu que tirasse sua carteira do bolso da calça, do lado direito, pois dentro estaria o cartão. Bastava que o tirasse e introduzisse na máquina. Ele inseriria a senha, devagar e com paciência. A tela mostrou que havia pouco. Ele tentou, mas não conseguiu teclar o valor desejado. Você o socorreu e foi muito fácil. Para ele, essa é a vida cotidiana: precisar de outrem e saber que poderá demorar, e nem sempre aparecerá alguém que se colocará em seu lugar. Para você, que inúmeras vezes se sente impotente diante dos dilemas subjetivos e sociais, isolada das outras pessoas, apressada, sem perspectivas futuras, querendo tudo aqui e agora, o que significaria participar, cotidianamente, da vida de pessoas estranhas que vivem na mesma cidade, bairro? Pessoas diferentes, cujas existências ficariam bem mais leves com sua interação, intervenção, mesmo que não passasse de um bate-papo rápido, um olhar, um sorriso, de fato uma relação social. Pois é, meu vizinho de bairro ou concidadão não tinha os dois braços e colocou a senha com o queixo e o nariz. Agradeceu e seguiu a vida. Eu também. Ambos transformados, e eu, mais ainda, me deixando uma grande lição.