Assim ou nem tanto 68
A Musa
A intimidade é tudo aquilo que melhor aceitamos como nosso, reservado, chegado aos sentimentos, às emoções, ao lugar selecto do nosso interior. É nesse alfobre peculiar que existe, potencial, a poesia. Vejo-a muitas vezes em forma de gato, de cato, de lâmina. Vejo-a doce, dolente, cansada e, tantas vezes, a procuro e não vejo nada. Nem palavras certas, nem ideias diferentes, nem paisagens que ardam ou gelem, que sejam em mim o caminho feliz ou doloroso da realização como poeta. Com os outros, provavelmente, é tudo diferente. Uns matam as musas arrancando-as pela raíz, outros ficam, tranquilamente, à espera que cheguem e são tudo menos poetas enquanto o encontro não se dá. – Vou escrever um poema, disse o profissional. E, volvidos momentos vem, de folha ainda a cheirar à especialidade, com o poema. Lindo, pesado, medido, certo. Comigo é tudo menos fácil. A minha musa só a vi de longe o tempo suficiente para informar que não está para ajudar calões. Que cavasse, olhasse, lesse, inventasse. Que emigrasse em busca de outra musa e a enganasse em francês. Em Paris são todos parecidos com o Paul Éluard e nenhuma dificuldade teria em aprender a poetar. Aqui a musa estava de férias e não ia com a minha cara. Vi-me, então, desamparado, a escrever sem apoio, sem musa, sem vontade de pescar. Quero ser poeta, navegar onde nunca se navega, amar armado de beijos e facas e nunca, nunca desistir das armas quando sejam o preço das festas pelo pelo. O preço das palavras de um poema.