MEMÓRIAS DA ANTIGA LATINIDADE-PARTE II
Entre 17/46 anos, classes dos ‘Juniores”, o romano apto a servir as forças armadas poderia ser chamado de jovem (‘juvenis’ ou ‘adolescens’), até mesmo na casa dos 30 – deixara de ser ‘puer’ (menino) e se tornara um ‘iuvenis’ ao adotar a ‘toga virilis’ aos 14; dos 46 aos 60, declínio rumo à idade provecta e aos 60 perdia a capacidade de servir no júri e até senador era dispensado de ir ao Senado. A vida se esvaía rápida - TRIMALCIÃO tinha na sala de jantar um relógio e um trombeteiro que assinalavam a passagem irreversível do tempo, ele mórbido ante uma garrafa de vinho, vida mais longa que a humana. SÊNECA filosofava que a vida que se vivia era uma simples perda de tempo. Nas classes altas, o serviço público era a mais nobre atividade, o senador passando pelas classes de causídico, soldado, administrador e político – muitas vezes, ausente de Roma por longos períodos como oficial do exército ou governante de província; principal conteúdo da educação era a retórica e bem cedo atuavam nos tribunais. Sendo discreto, virava membro vitalício do Senado se já tivesse sido cônsul; no império, um dos conselheiros particulares do imperador. Senador seria previamente abastado e dono de muitas terras – família aristocrática ou homem do campo que cuidasse do bom cultivo (nem sempre ocupação própria de escravos), da sela e amante da caça. CINCINATO, século V a. C., procurado para ser ditador, no momento arava a terra, salvou Roma e regressou feliz à sua fazenda; também CIPIÃO, O AFRICANO, apeado da vida pública, trabalhou a terra com as próprias mãos. Não bastante o salário do serviço público, o aristocrata voltava-se para negócios, bancos, comércio, tributação; assim, famílias proeminentes sumiam da política por uma geração ou mais, novamente enriquecia e voltava - fossem negociantes ou ricos residentes no campo, eram pais de senadores, muitas vezes amigos íntimos de CÍCERO. Quem evitasse ou desertasse da carreira pública, às vezes tornava-se escritor, como CÍCERO e SALÚSTIO; escritor incluía escritos pedagógicos, particularmente para jovens; mas se o exílio fosse auto-indulgência (‘desidia’), como LÚCULO no fim da vida, obcecado por jardins caros e extravagantes lagos com peixes, era considerado traidor às convenções sociais (‘gravitas’) e recebia desprezo geral. Os romanos que escreviam nas horas vagas, trabalhavam intensamente no serviço público – as sessões do Senado e dos tribunais começavam muito cedo, podiam ir noite adentro e os bons imperadores eram os que mais trabalhavam, estudando papéis – JÚLIO CÉSAR e MARCO AURÉLIO levavam serviço para examinar durante os Jogos. Quando TRIMALCIÃO fez fortuna, sua vida não era de entretenimentos como PETRÔNIO escreveu em “Satyricon”. A literatura não mostra a vida diária de lojista, artesão ou proletário, em Roma ou outros lugares, sejam estes últimos os pilares de Roma (‘faes romana’), segundo CÍCERO, e não se mantinham apenas com as doações oficiais de milho e jogos gratuitos (‘panem et circenses’), no dizer desdenhoso de JUVENAL, tampouco o sustento nas visitas a ricos que lhes davam algo (‘salutationes’), como diria MARCIAL – escravos e libertos, grande parte destes homens, em honesta e diária labuta... Somente para os soldados não-comissionados havia a idade da aposentadoria que deviam estar abaixo de 50 ao serem dispensados da ativa e, com as pensões, vida nova como fazendeiros, lojistas ou atividades que exerciam na vida militar. O liberto TRIMACIÃO, cuja vida um astrólogo previra em 30 anos, 4 meses e 2 dias, nem era avançado na meia-idade, quando percebeu que era muito rico e retirou-se do comércio e da especulação, iniciando uma feliz auto-indulgência. A busca da riqueza era hábito forte e suspiravam ao ver um rico dono de terras aposentar-se e ir para o campo. DIOCLECIANO foi o único imperador a aposentar-se... e a gostar de plantar alface. Aposentadoria honrada era a ‘cum dignitate’, própria do homem público que a merecesse – CATÃO, em idade avançada, foi aperfeiçoar-se no idioma grego. Além desses fatos, na república ou no império, políticos em aposentadoria nada desejada ou no exílio, há também descrições de quem se retirou voluntariamente, como VESTRÍCIO SPURINA, fim do século I da era cristã, após três consulados, 75 anos de idade – pela manhã, uma caminhada de 5 quilômetros, incluindo exercícios e banhos. Dia romano solar era de 12 horas; cada hora no verão tinha mais 30 minutos que a hora no inverno, relógios a água ajustados diariamente. A luz do sol era o início da primeira hora, meio-dia era a sexta (estas primeiras 6 horas eram um ‘solidus dies’) e a escuridão, a décima segunda hora, as pessoas deixando o trabalho. Nas primeiras duas horas do dia, tempo da ‘salutates’, em Roma os clientes visitando, desolados, seus patrocinadores por uma exígua compensação de alimentos ou dinheiro, cerimônia indigna para o cliente e enfadonha para o anfitrião, possivelmente na vida diária dos poetas MARCIAL e JUVENAL. O desjejum (‘tentaculum’) e o almoço (‘prandium’) ao meio-dia eram exíguos; após o almoço, para uma minoria de pessoas, verão ou inverno, a sesta seguida de exercícios, especialmente sob influência do helenismo no século II a. C. – corrida, luta livre, lançamento de disco e de dardo, luta de boxe, exercícios gladiatoriais e jogos cansativos para jovens e amenos para idosos. Para os jovens abaixo de 17 anos, especialmente se pertenciam ao Movimento da juventude (‘Iuventus’), AUGUSTO criou exercícios extenuantes, realizados em espaços abertos (‘palestrae’) nas cidades, frequentemente ligados aos banhos públicos – após os exercícios, mergulho num tanque ao ar livre (‘piscina’) e mais remotamente exercícios no Campus Martius e nado no rio Tibre. Nos banhos, geralmente o rico em companhia de escravo que levava o óleo para a pele, o estrigil (raspadeira) e a toalha – a pessoa caminhava nua pela sala, temperatura controlada (‘tepidarium’), rumo ao banho quente (‘caldarium’) ou câmara de transpiração (‘laconicum’), óleo e estrigil como o sabonete de hoje, depois o banho frio (‘frigidarium’), novamente sala (‘tepidarium’) e sala de vestir para segunda dose ligeira de óleo, prevenindo resfriado ao sair para a rua. Os grandes banhos imperiais de Roma tinham galerias de arte estatuária, recreação, salas de leitura e todos os acessórios necessários; dos mais confortáveis aos mais modestos, eram mal disfarçados bordéis – mais de 170 em Roma, a maioria de iniciativa privada e cobrando taxa de admissão. Na fase derradeira do império, tempo de AUGUSTO, cerca de 900... Muito barulho, refeições leves e bebidas. As mulheres em recintos separados, mesmo que contíguos aos espaços masculinos, o mesmo aquecedor para ambos os banhos – o banho misto foi teoricamente “proibido”. A hora era anunciada aos gritos por escravos e ao término da nona hora (meio da tarde) era o jantar (‘cena’) substancioso. Em Roma, diferentemente da Grécia, homens e mulheres ceavam juntos, desabrigada orgia nas casas ricas segundo os satiristas, porém a maiorIa das famílias jantava só ou com poucos convivas. Temperos eram aprovados pelos médicos – JÚLIO CÉSAR os utilizava e comia/bebia com parcimônia. Um escravo de boa voz (‘comoedus’) lia em voz alta. Nas festas, geralmente bebidas após a refeição ou segunda casa para beber – cabeças ornadas com flores e a diversão era acrobatas ou dançarinas. A vida do homem do campo dividia o ano em períodos de 8 dias, sendo o oitavo (‘nundinae’) dedicado ao mercado – neste dia, tomava banho e cortava unhas; no mercado, consultava advogado e as crianças não tinham aula. Nos calendários públicos, não era exata a divisão do ano, antes ou depois de JÚLIO CÉSAR, pois o ano (antes, a 1/janeiro/45 a. C., JÚLIO CÉSAR dera aos romanos um ano de 365 dias) tinha inserções alternadas, de 355-377-355-378 dias, num ciclo de 4 anos. O primeiro dia de cada mês era as ‘calendas’, o décimo terceiro (em certos meses, décimo segundo), os ‘idos’, e o quinto (ou o sétimo), as ‘nonas’. Por algum tempo, no mundo helênico, semana de 7 dias (como já desde muito no Ocidente) passou a existir, com regentes planetários: Saturno, Sol, Lua, Marte, Mercúrio, Júpiter e Vênus. A semana de 7 dias era conhecida em Roma no tempo de AUGUSTO, dias designados segundo o planetário por volta dos meados do século I d. C. O dia de Saturno, sábado, era o primeiro dia dos 7 até o século III da adoração do Sol, domingo, como o primeiro dia: não dia de descanso, até a conversão do império ao cristianismo. O dia do mercado era regular, a vida romana sem um dia de folga – cada dia do ano tinha uma significação: a lei imperava em ‘dies fastus’ e nos ‘comitialis’ podiam fazer reuniões públicas. Na vida particular, havia os dias aziagos, ‘dies religiosi’, não de bom alvitre viagens, casamentos etc.; quase todo dia era consagrado a uma divindade, alguns de significação limitada – por exemplo: um festival num momento crítico para a lavoura não incluía gente da cidade; nas Lupercais, 15 de março, sacerdotes seminus corriam pelas ruas de Roma, vergastando mulheres com chicotes de couro, capazes de provocar fertilidade; nas Saturnais, 7 dias, começando em 17 de dezembro, os escravos gozavam de pretensa liberdade. Com o advento do império, vieram novos dias de celebrações, algumas locais (aniversário de um benfeitor, com vinhos e bolo) e outros comuns a todos (aniversário do imperador ou ascensão ao trono). Fora dos festivais fixos (de certas cidades), havia irregulares (triunfo e celebração de vitórias imperiais) e jogos. Os mais importantes festivais eram em abril e início de maio – Ludi Megalenses, Cereales e Florales, 22 dias ao todo; em julho, Ludi Apollinares; após 44 a. C., jogos em honra da vitória de César, 19 dias ao todo; em setembro, os Ludi Romani, 15 e depois 16 dias. Os primeiros dias de jogos eram ocasiões de teatro, os últimos dedicados às corridas de biga. Em Roma ou municípios, jogos e festivais eram da responsabilidade e despesas dos magistrados – em fins da república, maior opulência pelos edis de Roma em busca de popularidade nas urnas, candidatos a altos postos. Gladiadores ao início não faziam parte dos jogos regulares: de origem etrusca, samnita ou campaniana, começaram em 264 a. C., como jogos funerais e ainda durante a república; grande e ostensiva exibição oferecida por JÚLIO CÉSAR durante sua vereança, no ano 65 a. C., foi em memória de seu pai que morrera 20 anos antes, em 46 a. C., e sua filha, 8 anos antes. Essas realizações populares cresceram muito durante o império e cerca de 10.000 homens lutaram 8 diferentes jogos oferecidos por AUGUSTO. Após a Guerra Daciana, TRAJANO exibiu 10.000 lutadores num espetáculo de 23 dias. Nem a comédia nem a tragédia...o público só gostava de mímica e pantomima, também o circo (palhaços, acrobatas, magos, trapezistas etc.), o fascínio das lutas de gladiadores e corridas de bigas nas várias cidades latinas, ainda animais selvagens amestrados em briga (touros contra elefantes), caça a ferozes (‘venationes’) de outras terras. Além dos ‘mundinae’, os escolares tinham férias de 5 dias no ‘quinquatrus’ (março), 7 dias nas ‘saturnais’ (dezembro) e férias de verão (de 1 de julho a 15 de outubro). Recesso do Senado era de quase um mês (abril), com passeios até a Campânia, gozar o sol primaveril – no império, a maioria dos senadores visitava suas propriedades no outono, tribunais em ritmo mais lento, advogados ‘passeando’ nos últimos quatro meses do ano. Viagens ao campo eram prazer caro e só os ricos podiam fugir ao calor de Roma, onde possuíam uma residência e pelo menos duas vilas no interior – ‘vila suburbana’ em montanha da redondeza, talvez em Tívoli, ou na praia, e outra mais distante, talvez na Campânia: era deixar de ser o homem urbano e gozar a vida!!!
FONTE:
Um velho caderno universitário // “O mundo romano”, org, Balsdon – cap. XIV: Vida e diversão.
F I M