O super-homem pedindo esmolas
O farol ficou vermelho. Pior ainda, havia uma enorme fila de carros à minha frente, ou seja, mesmo quando abrisse, ainda teria de esperar mais uma rodada. Procuro ajuda no rádio. Que sabe conseguisse achar uma linda canção brasileira em uma das estações? Uma daquelas antigas, gostosas. Nada. Recorro, então, à minha própria coleção e lá está a Clara Nunes: “Meu sapato já furou, minha roupa já rasgou, e eu não tenho onde morar.” Dou um sorriso e levanto a cabeça. O vermelho, insistente, nem dá sinais de que vai mudar. Vejo alguém se aproximando: um pedinte. Como é típico por aqui, ele ostenta um pedaço de papelão justificando por que está pedindo esmolas. Não dá para ler, pois está a uns cinco carros à frente. Os dois primeiros que foram abordados nem olham para ele. Um terceiro, depois de escarafunchar nos bolsos e no porta-luvas, finalmente acha algumas moedas. Foi então que me dei conta que tinha de fazer alguma coisa.
Confesso – deve ser pecado – fico constrangido nessas situações. A meu favor, não é por estar diante de um mendigo. O constrangimento é pelo fato de eu nunca ter trocados. Sempre cartão. E eu sempre explico: sinto muito, só tenho cartão. E devo admitir que até para mim, a desculpa parece furada depois de tanto uso.
Nem tentei achar moedas ou trocados: seria inútil. Enquanto o pobre homem se aproxima, perguntas, respostas e dúvidas povoam minha mente. Como ele chegou àquele estado? Será que ele não consegue emprego mesmo, com tanta oportunidade nesse país? Por que não pede ajuda a instituições de caridade? Será que tem família? Será que sabem de seu estado?
De repente, paro de viajar pela minha mente. Lá estava ele bem diante de mim, com o cartaz que dizia o óbvio: Desempregado, sem teto, etc. No entanto, o que me chamou a atenção foi a sua camiseta. Nada mais, nada menos, que a do super-homem. Uma última e estúpida pergunta me passou pela cabeça. Com todo esse poder, por que precisa pedir ajuda?
Fiquei com muita vergonha da atitude de meu cérebro com aquele fluxo de pensamento mesquinho e sem sentido. Baixei o vidro, olhei bem para a cara dele, pedi desculpas e disse que não tinha trocado. Ele deu um sorriso e falou obrigado.
Passei o resto do dia vendo o super-homem voando no céu e sorrindo para mim. E, agora, mais uma pergunta martela minha cabeça: Como um homem pode sorrir numa situação dessas?
Olhei para cima e juro que ele estava fazendo um gesto de positivo e respondia à minha indagação: “Afinal de contas, eu sou o super-homem! ”
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