BIOGRAFIA DIDÁTICA DO EDUCADOR MATEMÁTICO
CARMO PERRONE NAVES (1910 - 2007)





 
            Este artigo registra a trajetória de vida educacional de um saudoso professor que conduziu várias gerações de estudantes secundaristas pelos sinuosos e nem sempre exatos caminhos da Educação Matemática. Por mais de meio século de atuação no magistério, o professor Carmo Perrone Naves foi professor de instituições escolares de São Sebastião do Paraíso, polo cafeeiro do Sudoeste Mineiro. Entre as fontes usadas para refazer essa trajetória estão as memórias escritas do professor Tabajara Pedroso e documentos fornecidos, generosamente, pela família do querido mestre. Suas lições permitiram a base inicial para que vários de seus ex-alunos pudessem ingressar em renomadas universidades, entre os quais muitos deles vieram a se dedicar à carreira do magistério ou como expressivos nomes da ciência brasileira. Além de focalizar, em suas aulas, os aspectos mais essenciais dos conceitos ensinados, ele passava aos seus alunos, de forma intuitiva e com entusiasmo particular, gestos da arte de ensinar. Como muitos outros educadores anônimos, distantes das pompas acadêmicas, nos dias atuais, se torna imprescindível resgatar práticas e caminhos protagonizado por esses mestres de outros tempos, que tanto fizeram, muitas vezes, com poucos recursos.
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            Natural de Santo Antônio da Alegria, São Paulo, Carmo Perrone Naves era filho de João Baptista Naves e da senhora Teresa Perrone Naves. Ainda na infância, passou a viver em Paraíso, onde constituiu família, foi cidadão atuante em favor de causas sociais e protagonizou longa trajetória no magistério. Foi casado, em primeiras núpcias, com a senhora Joana Ricarda de Lima Naves; com quem teve uma filha, a professora doutora Norma Aparecida Perrone Naves. Agraciado pela longevidade, sua grande incentivadora e motivo de grande alegria foi sua neta Johanna Angélica de Lima Perrone Naves Abreu, para quem o mestre tinha a alegria de exercitar o ensino de Matemática. Posteriormente viúvo, contraiu matrimônio com a professora Maria Margarida de Oliveira Naves, integrante de uma tradicional família de educadores paraisenses.

            Nos meados da década de 1920, iniciou o curso secundário no extinto Ginásio Paraisense, que se destacava como excelente estabelecimento de ensino, atraindo alunos de diferentes cidades mineiras e de outras regiões do país. Nessa época, a direção do Ginásio era exercida pelo professor Tabajara Pedroso, bacharel em Ciências e Letras e ex-aluno do renomado Ginásio “Culto à Ciência” de Campinas (SP). O professor Tabajara era casado com a senhora Maria Rezende Pimenta, neta de um abastado fazendeiro e líder político local, coronel Antônio Pimenta de Pádua. Ao assumir a direção do Ginásio, em 1922, empenhou-se para dotar o estabelecimento de um corpo docente competente, capaz de responder aos anseios das famílias cujos filhos eram matriculados, visando os estudos exigidos para o ingresso no ensino superior.

            Nesse quadro, o querido mestre iniciou longa trajetória na educação matemática, em um momento ainda mais especial, quando o Ginásio Paraisense fora equiparado, por decreto federal, ao Colégio Pedro II, do Rio de Janeiro, criado para servir de modelo para os demais estabelecimentos de ensino secundário do país. Essa equiparação conferia ao estabelecimento o direito de requerer do governo central a nomeação de bancas de examinadores, nas diferentes disciplinas que constituíam o currículo da época. Esses examinadores, professores das principais instituições de ensino do país, se deslocavam até à cidade do ginásio equiparado para avaliar os alunos. Os aprovados recebiam certificados com os quais podiam ingressar no ensino superior.

            Após terminar o curso ginasial, Carmo Perrone foi para o Rio de Janeiro onde estudou Matemática, Geografia, Física e Química, ampliando os sólidos conhecimentos acumulados em Paraíso. Impossibilitado de permanecer residindo na então capital da República, resolveu dedicar-se ao magistério, aceitando o convite do professor Tabajara Pedroso para ingressar no corpo docente do Ginásio Paraisense. Em sua trajetória de mais de meio século no magistério, ministrou aulas de Matemática, Estatística, Ciências, Geografia, entre outras disciplinas, obtendo registro definitivo no Ministério da Educação e Cultura, de que trata o decreto 8.777, de 22 de janeiro de 1946, para exercer o ensino de Matemática do segundo ciclo em todo território nacional; assim como obteve os registros de professor para as disciplinas de Estatística, Geografia do Brasil e Física.

            Entre 1947 e 1966, devido aos seus vastos conhecimentos científicos, incluindo a domínio de Meteorologia, foi nomeado pelo governo responsável pela Estação Meteorológica do Ministério da Agricultura de São Sebastião do Paraíso. Na época, esta estação estava vinculada ao quinto distrito de meteorologia do Estado de Minas Gerais. Assim, além de professor de Ciências e Matemática, o professor Carmo exerceu esse serviço de observador meteorológico. Embora tivesse sólida cultura em várias disciplinas escolares, foi no campo da Matemática em que ele mais atuou, iniciando suas atividades docentes no Ginásio Paraisense, em 1928, quando Tabajara Pedroso ocupava o cargo de diretor do estabelecimento.

            Depois de 1931, quando o professor Lamartine Amaral assumiu a direção do Ginásio, continuou sendo professor de Matemática, assim como durante as gestões dos Irmãos Lassalistas, e do Monsenhor Mancini. Além de atuar no Ginásio Paraisense, o professor Carmo foi professor de outros estabelecimentos da cidade, tais como o Colégio Paula Frassinetti, Seminário do Sion, Escola Técnica de Comércio, onde exerceu o cargo de diretor interno e da Escola Técnica em Enfermagem José Maria Alkimin. Foi também professor de Matemática no Ginásio Estadual “Clóvis Salgado”, cargo exercido por concurso público, aprovado em 1966. Por quase duas décadas, foi diretor do Ginásio Estadual Paraisense, onde implantou o curso ginasial e os cursos de Segundo Grau e Normal, esses oferecidos em convênio com a prefeitura municipal.

            Além de atuar longos anos no magistério, o professor Carmo foi cidadão atuante na sociedade local, contribuindo para o funcionamento de diferentes instituições. Nesse sentido, foi membro entusiasta do aeroclube de São Sebastião do Paraíso, fundado em abril de 1941, vindo, posteriormente, assumir a presidência desta organização de 1950 até 1967. Foi membro de entidades culturais e científicas, como a Sociedade Geográfica Brasileira, da qual foi membro, desde 1959, tendo recebido desta sociedade o grau de Comendador e a Medalha Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon.

            Em fevereiro de 1962, por ocasião da comemoração do 55º ano de fundação do Ginásio Paraisense, o professor Carmo foi homenageado com uma medalha de Honra ao Mérito, concedida pelo Rotary Club. Nessa década, como professor interessado em acompanhar as mudanças da legislação educacional, participou, em 1967 e 1969, em Belo Horizonte, do Seminário de Implantação da Reforma de Ensino de 1972, como membro da comissão municipal de implantação, representando a câmara municipal. No campo da política, foi vereador por cinco gestões, exercendo a presidência da Câmara por quatro vezes, entre 1963 e 1976. No exercício desse cargo e por ser reconhecido como um eloquente orador, proferiu discurso de recepção ao ex-presidente Juscelino Kubitschek, quando o renomado político visitou a cidade, em campanha na condição de senador da República, acompanhado do então deputado Tancredo Neves.

            O Diário Oficial da União, de 22 de dezembro de 1931, publicou requerimento de Carmo Perrone Naves, solicitando o seu registro de professor junto ao Ministério da Educação e Saúde Pública. Por cumprir as exigências previstas naquela época o pleito foi atendido e desta maneira se efetivou como professor do Ginásio Paraisense no contexto da reforma Francisco Campos, legislação que deu uma nova organização para o ensino secundário, em 1932. Para finalizar, traços da formação cultural do saudoso professor podem ser deduzidos com base nas obras com as quais ele convivia em sua biblioteca. Nesse caso, destacamos as bases de sua formação reveladas por obras tais como Le mystère des nombre e des formes [O mistério dos números e das formas], de Marcel Boll; Lógica Elementar, de Vieira de Almeida; Conceitos Fundamentais da Matemática, de Bento de Jesus Caraça e Introdução à Filosofia da Matemática, de Bertrand Russel. Um reconhecimento do seu domínio nesse último tema foi o convite recebido, em 1974, para proferir a aula inaugural sobre “Filosofia da Matemática”, no Departamento de Metodologia Científica da Universidade de Ribeirão Preto. Por tudo isso e por vários outros motivos que não cabem na formalidade deste texto, o querido mestre da terra natal é merecedor de nossas reverências.