Eu, quem sou Vagabundo!?

Certa vez , quando eu era motorista de ambulância, saí da cidade de Arinos com um paciente que se encontrava no hospital local, no balão de oxigênio. Ao ser colocado na ambulância foi ligado a um equipado garrafão de oxigênio, pequeno, regulado numa escala/pressão nº 6 (seis), conforme teria que ser mantido, pois era esse o gás necessário para manter a respiração constante e, por conseguinte a vida do paciente. O médico que o encaminhou já havia me alertado dizendo que o paciente sobreviveria no máximo dois minutos sem o oxigênio ligado a ele.

A pressão do oxigênio naquela escala, eu sabia que duraria por apenas duas horas e meia e assim que ele fosse ligado, eu teria o prazo de no máximo aquele tempo para chegar ao HRAN em Brasília. Portanto meu caminho teria que ser passando por Formosa/GO, rodando duzentos e cinqüenta quilômetros para chegar ao Hospital e ainda descer o paciente. O tempo urgia, portanto.

Saí do Hospital de Arinos, às 23h30 (vinte e três horas e trinta minutos) em uma caravam seis cilindros e , às 23:33 minutos peguei o asfalto e colei o ponteiro do velocímetro a 140Kmh, sabia que teria que manter uma velocidade média de no mínimo 110/120K por hora, ainda que, subindo serra e com certeza pegando traseira de caminhões em faixa contínua, entrando em rotatórias e preferenciais. Era um desafio!

Em, aproximadamente 20 (vinte e dois minutos) eu já havia rodado 45Km, ainda que subido a serra e chegava ao trevo de Unaí, quando uma blitz da Polícia Militar me parou! Eu disse apressadamente: por favor, estou com um paciente muito mal e...

Eles me disseram: tudo bem, então prossiga, mas passando por Unaí, pois os Sem-Terras tomaram o trevo de Buritis/Formosa e não deixam ninguém passar.

Eu muito apressadamente respondi: Então os senhores precisam me acompanhar Para garantir lá, a minha passagem, pois não tenho mais nem duas horas para chegar em Brasília com o paciente com vida e por Unaí darei uma volta de mais de setenta quilômetros e a estrada da serra do Tamburil até as Marajós, esta cheia de buracos e com certeza, por lá, não chegarei a Brasília nem com três horas de viagem.

Eles verificaram o paciente com mangueiras introduzidas no nariz e, diante da situação comunicaram, via rádio com seus colegas, ou seja,com a extensão da polícia que se encontrava no referido trevo, segundo eles, mantendo a ordem do manifesto, e explanaram a situação.

Enquanto isso o tempo passava e meu paciente que dependia do relógio para sobreviver, perdia minutos preciosos. Até que passados aproximadamente vinte minutos os “trabalhadores sem-terra” (que ironia!) liberaram a minha passagem. Arranquei. Agora teria que tentar compensar o tempo que os “trabalhadores me fizeram perder”,no pé. Ou seja, na velocidade. Mas confesso que a bendita, providencial, generosa liberação me trouxe grande alívio!

Quando cheguei ao trevo, o encontrei cheio de “homens,” (que os verdadeiros homens me perdoem) mulheres e crianças.

Antes da rotatória, havia grande fogueira atravessando a estrada, alimentada por queima de pneus. Com muita dificuldade consegui descer o asfalto para um lado, rodeei as chamas e subi novamente com maior dificuldade, para fazer o balão. Na rotatória, dentro da pista, as pessoas sem pressa, morosamente saíam para me dar passagem. Eu buzinei e me gritaram: NÃO BUZINA NÃO, VAGABUNDO. Nós não somos animais e vai devagar, pois aqui têm crianças.

Agora analisem e concluam quem era vagabundo: Eu que a meia noite, ainda estava trabalhando, arriscando a minha vida para salvar a de outrem, ou eles que naquela hora ilegalmente impediam o direito constitucional, das pessoas de ir e vir; causavam danos ao patrimônio público, com o fogo sobre o asfalto e ainda expunham crianças ao frio e sereno a noite, longe do lar?

Sinceramente não entendo a inversão de valores que vivemos.

Ao sair Dalí, fui obirgado a andar numa velocidade de até 160Km/h. cheguei ao hospital aos 15 minutos do dia seguinte, com meu paciente vivo, embora, dois dias depois, eu o tenha ido buscá-lo dentro da urna. Mas, mais uma vez, em nome de Jesus, cumpri a minha missão!