Capitães, motim e naufrágio
L. já assumiu o posto com o barco fazendo água. Mas o porto estava longe e L. não queria correr risco. Tivesse ele convocado toda a marujada, passageiros inclusive, para meter a mão na massa, provavelmente tinham dado um jeito, ao menos, por um tempo. Mas L. tinha aprendido na sofrida luta pelo pão de cada dia que esse negócio de meter a mão na massa, convocar a marujada e contar com a ajuda dos passageiros nem sempre dá certo. Ficou com medo e achou melhor não arriscar. Decidiu-se pelo remendo. Remenda daqui, remenda dacolá, onde a fresta era maior, entrava mais água, ele mandava pregar algumas tábuas de reforço, enfiava estopa embebida em piche nas frestas menores, acionava as bombas, fechava comportas, e assim ia levando. O barco pesado, encharcado de água, ia seguindo devagar.
Só que a água não diminuía e a tripulação estava ficando cansada do trabalho dos remendos. O rádio estava com defeito e as bombas, funcionando dia e noite, começavam a falhar. Criou-se um clima de motim. Preparava-se o butim. Imprimiram-se folhas, empapelaram-se globos e os estados e estadões mobilizaram-se.
Foi aí que surgiu T. Sempre lépido e ligeiro, barba bem feita, perfumadíssimo. Lenço de cambraia branca no bolsinho do paletó prometeu dar um jeito na situação. Começaria colocando ordem na marujada, botando aquela corja de vagabundos para trabalhar. Além disso, com ele na direção, lei e ordem restabelecida, perfume e lenço de cambraia esvoaçando a bombordo e a estibordo, restabelecer-se-ia a confiança no comando. Mandaria concertar o rádio, enviaria mensagens e certamente apareceria ajuda. Podia vir do céu, podia vir do mar.
Armaram uma cilada, L. foi para cela escura e T. assumiu o comando. Agora ecoava música pelo convés e o perfume espalhava-se pelos salões. Concertou-se o rádio e mensagens foram mandadas pelo éter. Não sei dizer ao certo qual foi o barato, se foi éter ou clorofórmio, eu sei que naquela mesma noite, não muito longe dali, encharcados em rum e muito whisky, piratas passavam numa nau. Achando que ia ser servicinho fácil, do tipo que eles gostavam de fazer, o barco já estava mesmo indo para o fundo, iam somente dar uma ajudazinha, tiro de misericórdia, abordaram o barco. Prenderam todos no porão, levaram o rádio, os mantimentos e a bagagem dos passageiros.
T. é claro, se salvou. Percebendo para onde estava soprando o vento, adiantou-se, molho de chaves na mão. Ia abrindo as portas, mostrando o caminho. Em troca, levaram-no junto arrumaram-lhe um trabalho, nem difícil nem fácil demais. Deixavam que os acompanhasse mas não o perdiam de vista nem um minuto.
O que aconteceu com barco, ao certo, eu não sei. Uns, mais pessimistas, dizem que foi ao fundo. Sem comando, sem comandante, tripulação presa no porão, ninguém para ligar as bombas, a água foi assumindo o controle da situação e água tudo virou. Outros, mais otimistas, dizem que o navio, ou o que restava dele, acabou encalhando numa praia. Passageiros e tripulação livram-se da prisão, desembarcaram na ilha e fundaram uma nova civilização. Alguns poucos, mais otimistas ainda, contam que os passageiros e a tripulação, sem comando e comandante, finalmente compreenderam o que havia para fazer. Botaram a mão na massa, concertaram o navio e andam por aí, singrando os mares.
Claudio Thomás Bornstein