Já se passaram quase cinco anos e ainda sinto saudades da minha companheira e amiga de todas as horas. Fiona chegou tão pequenininha e agitada que pensei que haviam se enganado, eu havia dito que tinha problemas de saúde e precisava de um animal tranquilo. E me mandaram uma espoleta de Penedo, tão levada que em uma semana roeu os pés dos móveis, destruiu minha coleção de miniaturas de gatos em madeira, rasgou estofados e foi tres vezes ao veterinário.
Fiona era uma pastor alemão orelhuda e por isso mesmo imperfeita para venda e exposição, mas havia algo pior ainda que descobri nas primeiras semanas: pancreatite e prognósticos nada encorajadores. Tarde demais porque já estava irremediavelmente apaixonada e não desisti assim tão fácil. Percorremos várias clínicas até encontrar um veterinário tranquilo e otimista, dieta, alimentação adequada, amor e medicamentos. Fiona teria uma chance e não mais os tão terríveis dois anos de sobrevida.
Nesta época já tinha feitos as cirurgias nos pés, a fibromialgia não dava tréga e as dores na coluna e articulações estavam beirando o insuportável. Nos dias em que precisava ficar de repouso Fiona se recusava a sair do quarto, deitava no tapete ao lado da cama e ficava ali o tempo todo. Eu levava a bichinha para tomar sol no jardim e voltava pra minha caverna, me acomodava e quando olhava pro chão lá estava Fiona.
Na terceira tentativa desistia e pra não prejudicar a cachorra sentava na cadeira da varanda, reclamava e ficava bem irritada. Indiferente, ela se esticava na grama toda feliz com o sol forte, corria de lado pro outro e pegava os brinquedos. Fiona trazia bolas pra mim e com aquele olhar pidão me instigava a jogar de volta. Claro que não conseguia, mas ela só queria companhia, custei a entender e aceitar. A doença me limitava ao egoísmo.
Um dia acordei no inicio da tarde, o quarto completamente escuro e abafado, desanimada e triste percebi que a cachorrinha ainda estava no tapete, mesmo com a porta dos fundos aberta ela não havia saído. Fiz um esforço e fui olhar o pote de comida ainda cheio, então ela se aproximou e começou a comer. Fiquei ali pertinho dela que toda satisfeita comeu tudo e veio pedir carinho, como que estivesse me agradecendo a atenção.
Fiona entrou na minha vida para abrir portas e janelas, deixar o vento e o sol entrar, ela me fazia sair da cama, cozinhar o frango com legumes da dieta dela, levar para dar banho na clínica, olhar o garoto que passeava com ela dando voltas no quarteirão só para acenar e estar presente. Senão ela empacava. Um cão que tomou para si a missão de tomar conta de seu dono despertou sentimentos adormecidos e começou a mudar minha rotina.
O tempo foi passando, ela crescendo e ficando cada vez mais esperta e cheia de vontades. Sair da cama não era mais uma opção, pontualmente as seis da manhã aquele focinho me dava pancadinhas na mão e no rosto, eu abria a porta dos fundos e as janelas da casa, ela sentava no portão do jardim e ficava ali olhando as pessoas tomando sol. Então meu dia começava, arrumava a cama e ia fazer qualquer coisa menos permanecer mergulhada na dor. E a vida seguia o rumo, devagar e sempre.
A artrite reumatóide despertou quando Fiona já estava quase adulta, lembro que os joelhos e cotovelos incharam e doíam tanto que não conseguia mover os braços. O frio da serra pioravam ainda mais sensação dolorosa, as medicações fortes e os efeitos colaterias me deixavam bem pra baixo. Precisei fazer repouso novamente e Fiona me seguia como uma sombra, minha doença ia acabar fazendo mal a minha amiguinha e isto pareceu muito injusto. Comecei a fazer terapia duas vezes por semana, fisioterapia diária e peregrinação aos consultórios médicos em busca de respostas.
Por pior que fosse o meu dia eu sabia que precisava dar atenção a Fiona, senão ela ficava triste e amuada num cantinho e até se recusa a comer. As pessoas diziam que ela era um pastor com alma de poodle, carente, manhosa e até teatral. Mas ela era o meu cão ideal. Extremamente carinhosa me obrigava a sair do casulo da dor, e por breves momentos relaxar, dar e receber muito amor. E muitas vezes foi o bastante pra me fazer seguir adiante.