Eu não virei presidente.
Até hoje recordo da figura paterna de bermuda amassada amarela,camisa de pijama faltando alguns botões,chinelo já bem gasto levantando parcialmente a mão esquerda após a despedida da visita quando descia o suave declive do gramado castigado por alguns meses sem chuva a dizer com voz fraca,quase como uma súplica:
- Fala para sua mãe vir aqui a tarde.
O gesto traduzindo carência fragilidade, nada lembrava o homem de tanta cultura,que tinha o hábito de ler vários jornais e guardar os recortes das notícias e matérias mais importantes que lia,fazendo como se fosse uma coletânea para estudos posteriores.
Aquele momento me fez refletir do tempo que por alguma banal discórdia, ficamos algum tempo sem nos falar. Creditei este fato ao meu próprio espírito jovem que chamamos de fase da rebeldia. Tendo o prazer de achar que era normal ficar um bom tempo sem dialogar com o velho,sem ao menos saber que apenas o tempo nos traz a consciência da importância das pequenas coisas, como um almoço em família, uma troca de carinho ou até mesmo um abraço daqueles que um dia ao chegar da escola entusiasmado que era, ele me levantou com tamanha empolgação e aos gritos disse: - Olha gente , este é o futuro presidente do Brasil.
O tempo passou, confesso que dói imaginar que perdi alguns meses daquela convivência com meu pai por pura imaturidade,e ainda me pergunto o quanto deixei de aprender com ele, e quantos abraços perdi, e gargalhadas deixei de dar. Após aquele dia ficou registrado na memória a cena dele com roupa simples e amarrotada pedindo quase em lágrimas para dar o recado a minha mãe.
Minha mãe foi a tarde, eu não vi mais meu pai, ficou a laguna da ausência.
Eu não virei presidente.