SABER JOGAR AS SEMENTES


Li essas palavras ditas por alguém desconhecido, mas certamente, são palavras que encerram sabedoria e a esperança nossas de como jogar as sementes. Faz pensar. E muito.
Olho para trás. Inevitavelmente me pergunto “eu soube jogar as sementes?” Implica num julgamento de si mesmo. Soube?

Eu diria que, ao nascer, eu era uma semente. Fui lançada.
Quando aprendi a andar, eu comecei a andar, e a primeira coisa foi passar pela porta da sala ignorada, para a claridade do terraço quadrado de piso de ladrilhos claros. O terraço tinha uma grade simples de ferro protegendo do rio que passava ao lado, e do fundo de um quintal no nível inferior com mangueiras e árvores altas formando um conjunto meio obscuro, sem muita nitidez do espaço, um espaço não desejado, um tanto ameaçador ou, no mínimo, sem interesse para mim.
Meus passos tomaram a direção do pequeno portão semiaberto para a calçada da rua, plena de sol e claridade.

Eu era ainda uma semente.
Uma semente igual ao meu netinho Tomás de quatro anos, que me abisma de tão capaz, tão inteligente e tão novinho que é e já com uma cabeça e capacidade admiráveis. Fico boba! Ele é uma semente mas já é muito rico e precioso. Ele vê e entende tudo, surpreende a cada dia tanta capacidade.

Caminhei nesta calçada olhando as casas, depois de ter ultrapassado a ponte guarnecida de grades sobre o rio, que quase não era percebido, pois tinha a mesma largura da rua e parecia apenas a sua continuação. O rio não me chamou a atenção, mas as casas da rua sim. Todas me pareceram mais coloridas e mais atraentes da que eu deixara para trás.

Foi deslumbrante apreciar aquelas casas, lado a lado, cada uma diferente da outra e com seu jeito pessoal. Foi gostoso andar pela calçada próxima à parede das casas e ir apreciando as casas à disposição do meu interesse ou desejo. Eu achava que tudo estava à minha disposição, aliás, não sei se achava alguma coisa, mas tudo era uma boa nova para mim.
Gostei de uma casa que tinha três janelas abertas para a rua e um alpendre muito fresco e convidativo. Um portão de ferro de duas bandas e semiaberto. Um pequeno patamar ao nível da calçada em ladrilhos quadriculados fazendo a superfície ser sentida em quadriculados sob os pés. Subi os três degraus de mesma textura e alcancei o piso do alpendre e me deliciei ali. A cobertura desse alpendre era mais baixa e diferente do telhado da casa, uma construção delicada em ferro com jeito de antigamente, de lar e ternura; eu que não sabia palavras, senti que acertara no alpendre mais lindo de boas vindas. Para mim ele, alpendre, era a linguagem trocada.
E ainda mais que, do gradil se avistava um canteiro florido, parecia que sem fim, ao longo da casa, cheio de viço, de avencas, de flores delicadas e cores diversas, tudo tinha sabor de delicadeza viva com muitos perfumes suaves e frescor. Para este canteiro, muitas janelas da casa se abriam dando a se perceber que todos os cômodos seriam amplos e refrescados com aquele ar de jardim.
A porta da sala estava aberta para mim.
Entrei. A sala de chão de tábuas lavadas com duas janelas abertas para a rua, o mobiliário era de palhinha, lindo a meu ver. A porta para a sala de jantar estava totalmente aberta e entrei. Da primeira janela sentia-se o jardim lá fora. Na parede, um relógio de pêndulo tocava as horas e soava o seu tic-tac. Ao seu lado, um lindo quadro na parede, em que um cavaleiro tirava o chapéu emplumado reverenciando uma figura dentro duma capelinha, talvez uma santa. Senti o maior respeito como ele demonstrava.
Este relógio e este quadro foram meus companheiros de todos os dias.
E fui adentrando e encontrando os seus habitantes, que eram um grupo de mulheres adultas, uma mãe e cinco filhas. Adotei-as como Queridas. Elas todas me aceitaram como Amor Bem Vindo. Nos seus corações elas me esperavam. Cada uma delas era muito especial.
Deram-me liberdade e me aceitaram. Mostraram-me todos os encantos delas e os da casa toda. A casa toda tinha um som delicado quase inaudível, mas cada ambiente fazia a sua história e eu, a cada história eu respeitava todas as regras e encantos. Havia leis ali, mas só de ordem boa. Comíamos na mesa grande da ampla cozinha. Entre todas e entre tudo rolava uma harmonia que guardo até hoje.
Depois fui conhecer o quintal, enorme. Grande também é a emoção de rever esses lugares. Este será outro momento.
Só quero completar aqui, é que foi no fundo deste quintal, um recanto florido e sob uma trepadeira de uvas e flores de cisnes é que me instalei. Eu semente fui plantada ali, num lugar escolhido, crescendo e produzindo as mais belas flores e os melhores frutos com os cuidados por aquelas fadas, nos meus primeiros anos.

MLuiza Martins