À mestra com carinho (Reedição)
O título meio plagiado é de propósito. Quem não se lembra de Sidney Poitier dando o próprio sangue para levar um pouco de tudo que faltava aqueles jovens transviados no famoso filme quase homônimo. Quem viu aquele filme jamais esquecerá das belíssimas cenas e facilmente encontrará semelhança na sua própria adolescência .
Seguir, querer ser parecido faz parte do nosso instinto de sobrevivência desde os primeiros dias de nossa breve passagem por essa maravilhosa vida. E mesmo depois, quando firme e de pés bem postados no chão, quando pensamos sermos nós mesmos, poderosamente independentes, mesmo aí, ainda estamos seguindo o que de melhor absorvemos daqueles que nos cercaram de cuidados e ensinamentos. Se fôssemos relacionar as pessoas que nos "construíram" seríamos injustos por omitir a maioria delas. E não pretendo aqui nada que se aproxime disso.
Neste dia dos professores quero homenagear uma pessoa que foi um marco para mim. Ela foi o divisor de águas. Foi quem primeiro me disse coisas diferentes daquelas que meus pais costumavam me dizer, sem contudo provocar nenhum choque cultural. Ela não foi apenas a minha primeira professora. Coube a ela, ainda na flor da sua juventude, harmonizar o novo com o tradicional. Tudo que meus pais haviam me ensinado fora preservado e coisas novas, mesmo aquelas aparentemente antagônicas e contraditórias foram agregadas sem qualquer conflito. Sua sensibilidade afinada me trouxe um mundo novo de uma forma suave e prazerosa. Foi a partir desses momentos que aprendi que as coisas não precisavam se chocar para se aproximarem. E essa lição trago até hoje. E foi tão natural que só me dei conta que tinha esse conhecimento. muito tempo depois, quanto já contemplava os mundos adjacentes, próximos, mas alheios ao meu. Foi a partir desses preceitos, por antítese, que também concluí que todo choque é traumático.
A tão famigerada palmatória que faz parte da retórica história escolar não poderia ter deixado de faltar. Afinal de contas era o padrão da época. E aí o meu eventual leitor (tomara que haja algum) dirá. Etão cadê a professora modelo? Calma! Explico! Até aí ela foi sábia. Havia sim uma palmatória que ela fazia questão de mostrar e falar sobre a tradição do seu uso na escola. Mas ela mesma nuca a usou. Ela era simbólica e usada apenas nas sabatinas, onde o vencedor dava um "bolo" no perdedor. Obviamente a dor era apenas simbólica até porque o vencedor do momento poderia ser o perdedor no momento seguinte. Havia então uma auto-regulamentação e ainda assim acompanhado pela mestra que não permitia exagero nenhum.
No dia das mães de 1968 houve festinha na escola e cantamos uma musica de Carlos Galhardo que dizia: "Minha maezinha querida.... Maezinha do coração...". Dois colegas, irmãos entre si, caíram em prantos. A delicadeza da professora os acalentou e nos fez compartilhar a dor deles que então revelaram serem órfãos de mãe. Foi meu primeiro contado com uma situação desse tipo. E deste fato tirei uma lição de nunca tripudiar sobre qualquer sofrimento alheio, hoje não rio e não aprovo o riso sequer de um escorregão alheio. Mas não é de mim que estou falando...
Naquele mesmo ano ganhei pela primeira vez um cartão de natal. Era muito bonito e tinha uns dizeres de muito efeito. Meus pais nunca foram dessas coisas, Natal, Aniversário, dia das crianças... nada disso tinha muito significado para eles. Tinham uma vida muito simples e apenas cuidavam para que estudássemos e tivéssemos um mínimo de conforto. Foi essa minha professora a responsável por isso. O cartão de Natal que ganhei dela teve um significado tão grande que eu jamais consegui descrevê-lo. Guardei-o (o cartão) com tanto carinho, que com o passar dos anos acabei esquecendo o local onde estava. Apenas sabia que o tinha. Vieram as namoradas, empregos, mulheres e filhos... acabei perdendo o valioso cartão. Até os netos começaram a chegar... Mas nunca esqueci nem o cartão nem o que significou para mim. E quanto mais tempo passava mais me assegurava do valor daquela simbologia.
Quando em 2003 estava às voltas com mais uma mudança, eis que, como magia, surgiu em minha frente o lindo e maravilhoso cartão, já amarelado mas altivo e com o mesmo esplendor de sempre. Enviei-o através de uma copia digitalizada para o e-mail da querida professora, no intuito de homenageá-la, no seu dia. No entanto nunca recebi retorno e depois fiquei sabendo que ela não o recebeu e que o e-mail, fornecido por uma irmã dela, que ainda mora na minha cidade, já não era mais usado fazia alguns anos. O fato mereceu uma postagem no meu fotolog (http://www.fotolog.com.br/chagoso/4286875), em 2004.
No ano seguinte fui surpreendido com a visita da minha querida professora no meu local de trabalho. Fiquei tão emocionado que não tive atitude nenhuma e acho mesmo que sequer falei-lhe do dito cartão. Ela voltou para sua cidade e depois disso nunca mais a vi.
Espero que um dia ela leia esse texto e sinta-se homenageada, apesar de, como já falei, não possuir as palavras que representem a gratidão e a admiração que sinto por ela.
A você professora Marina, um beijo no coração.
Entendo que este caso é singelo e milhares de milhares devem ter se repetido pir este mundo a fora. Por isso, quero estender esta homenagem aqueles que dão o melhor de si para construir as vidas de seus alunos, os mestres! Parabéns pelo seu dia.