"Minha Avó, Um Figura Inesquecível" = Com o que creio ser um tanto de humor, mas verídica.
Hoje em dia minha avó paterna seria descrita com apenas duas palavrinhas: uma figura. E poder-se-ia completar com um adjetivo: inesquecível.
Não que fosse uma dessas avós tradicionais, uma dessas avós comuns em quase todas as famílias, do tipo boazinha, meiga, compreensiva, mais tolerante para com os netos, tipo “mãe com açúcar”. Muito pelo contrário.
Completamente desprovida de senso de humor, ouvia piadas inocentes e as entendia como casos sérios. Dizer uma brincadeira a ela era “jogar pérolas aos porcos”. Entendia os filmes ao jeito dela, e considerava dramas inesquecíveis algumas boas comédias que assistia nos cinemas. Um sarro a velha.
Autora de algumas frases inesquecíveis na família, volta e meia é citada por algum de nós. Uma delas expressou toda sua imensa delicadeza: “Prefiro uma negra na cozinha que uma nora na sala.”. Ou seja, tipo da sogra que todo mundo quer. Bem longe.
Quando meu pai comprou um bom sobrado na região da Vila Mariana, ela veio de Belo Horizonte conhecer a nova casa do filho, e seu comentário ficou para sempre na memória de todos nós:
- Simplesmente hollywoodiana.
Depois que ela se foi, e bem depressa para a casa do filho que em São Paulo a paparicava mais e melhor, nós rimos de chorar. “Hollywoodiana...”!
Um dia uma de minhas tias, nora dela, brincou que, por não gostar do bigodão do marido, uma hora tomaria coragem e poria fogo naquela pelama toda quando ele estivesse dormindo. Minha avó perdeu o sono de medo de vir a saber que um de seus cinco filhos homens fora queimado pela esposa. Levava tudo que se dizia a ela a “ferro e a fogo”, e não adiantou minha tia jurar que era só uma brincadeira boba.
Em uma das poucas visitas que fez à minha casa, em meus tempos de menino, minha mãe deixou queimar o feijão e serviu o almoço sem ele. Ela viu a mesa do almoço, farta e variada, mas sem feijão naquele dia, e anos depois ainda perguntava à minha mãe:
- Você ainda cria os meninos sem feijão, Tereza?
E adiantava dizer que fora só naquele “fatídico” dia?
Aos seis anos de idade dormi na casa dela, no sofá e sozinho na sala, logo depois do velório de meu avô. Claro que à noite fiquei com medo e chorei até que me pusessem mais perto de alguém. Claro que em minha imaginação infantil o meu avô ainda viria bater um papinho comigo mesmo depois de enterrado.
Já servindo o Exército, com os meus dezenove anos, fui à casa de minha tia, com quem minha avó morava, e ali fiquei preso por um temporal tremendo. Minha tia sugeriu que eu dormisse lá, mas minha avó foi contra:
- É melhor ele pegar um táxi. Ele chora de noite.
Naquela noite eu chorei. Mas foi de tanto rir.
Amabilíssima, sempre tinha uma frase carinhosa para cada neto. Um dia reparou em meu irmão caçula, um garoto que todo mundo dizia ser muito bonito “apesar de levado demais”, e disse tranqüilamente à minha mãe:
- Tereza, esse seu menino é tão feio que parece um macaco.
Minha mãe, com sua característica fleuma mineira, respondeu tranqüilamente:
- É o que mais puxou a família do pai.
A velha ficou possessa.
Certa vez, a caminho de Ouro Preto com o meu irmão do meio, meu pai teve a idéia de buscar sua mãe, de convidá-la para dar um passeio até a cidade histórica da qual ela dizia gostar muito “apesar de lá só ter velharias”.
- Faz isso não, pai. A vó é o maior pé-frio.
Meu pai ficou bravo de verdade, foi buscar a mãe e saíram os três no carro que estava com todos os pneus novos, recém-comprados.
Tiveram que parar seis vezes para trocar pneus furados! E meu irmão quase chorava de raiva a cada vez por se ver, sendo o mais jovem, obrigado a fazer as trocas.
Um dia dissemos a ela que iríamos a passeio até Andrelândia, lá em Minas mesmo, terra de meu pai, e ela nos encomendou um queijo branco e bem grande, afirmando dezenas de vezes que o tal queijo de lá era inesquecível. Era inesquecível, mas nós esquecemos de comprá-lo e só nos lembramos disso perto já da casa dela. Entramos então em um mercadinho, escolhemos um queijo grande e bem branco. A cada pedaço que ela experimentava voltava a afirmar que queijo igual àquele, "de Andrelândia", não existia no mundo inteiro. E a gente agüentando a vontade de rir...
Quando me casei pela primeira vez ela me prometeu um bom presente. Disse-me que podia lhe cobrar a qualquer altura, menos naquele dia.
Alguns anos depois, mesmo com minhas cobranças na base da brincadeira, nada de presente. E eu sabia que ela fazia crediários altos para dar jóias às netas prediletas e aos netos com os quais vivia. Cobrava-lhe o presente só para chateá-la. Um dia uma amiga a visitou e levou consigo uma mala enorme de agasalhos que acabara de trazer dos Estados Unidos. Minha avó convidou-me a vê-los e eu escolhi os cinco que achei mais bonitos. Um dinheirão. Guardei os agasalhos na sacola que a mulher me deu e fui me despedindo. Minha avó ficou preocupada:
- Quando é que você vai pagar os agasalhos, menino?
- Nunca, vó. Aposto que a senhora não vai perder essa chance de me dar aquele presente do casamento, lembra?
Até hoje não sei como os agasalhos foram pagos, mas foram os melhores que já tive.
Juscelino Kubstichek, nosso saudoso e há muito já falecido ex presidente, foi amigo de juventude da família de meu pai. Dava-se muito bem com o pessoal e gostava de almoçar na casa de minha avó, principalmente aos domingos, quando havia a famosa e fartíssima macarronada que ela fazia. Muitos anos depois, já exercendo a Presidência, Juscelino vinha em um carro aberto, em pé e acenando para o povo, quando viu meus avós parados na avenida e, simpático como sempre, disse a eles:
- Dedé, minha querida! Ary, meu caro amigo! Que prazer vê-los! Qualquer dia desses vou dar um jeito de ir à casa de vocês matar as saudades daquela macarronada...
Minha avó não deixou que completasse a frase:
- Não vai não senhor. Enquanto você for presidente não me apareça lá, que eu não quero ninguém me chamando de puxa-saco.
E JK não foi mesmo.
Creio que minha avó morreu há já uns vinte anos, mas é difícil esquecê-la.
Os filhos tinham verdadeira adoração por ela.
Hoje em dia minha avó paterna seria descrita com apenas duas palavrinhas: uma figura. E poder-se-ia completar com um adjetivo: inesquecível.
Não que fosse uma dessas avós tradicionais, uma dessas avós comuns em quase todas as famílias, do tipo boazinha, meiga, compreensiva, mais tolerante para com os netos, tipo “mãe com açúcar”. Muito pelo contrário.
Completamente desprovida de senso de humor, ouvia piadas inocentes e as entendia como casos sérios. Dizer uma brincadeira a ela era “jogar pérolas aos porcos”. Entendia os filmes ao jeito dela, e considerava dramas inesquecíveis algumas boas comédias que assistia nos cinemas. Um sarro a velha.
Autora de algumas frases inesquecíveis na família, volta e meia é citada por algum de nós. Uma delas expressou toda sua imensa delicadeza: “Prefiro uma negra na cozinha que uma nora na sala.”. Ou seja, tipo da sogra que todo mundo quer. Bem longe.
Quando meu pai comprou um bom sobrado na região da Vila Mariana, ela veio de Belo Horizonte conhecer a nova casa do filho, e seu comentário ficou para sempre na memória de todos nós:
- Simplesmente hollywoodiana.
Depois que ela se foi, e bem depressa para a casa do filho que em São Paulo a paparicava mais e melhor, nós rimos de chorar. “Hollywoodiana...”!
Um dia uma de minhas tias, nora dela, brincou que, por não gostar do bigodão do marido, uma hora tomaria coragem e poria fogo naquela pelama toda quando ele estivesse dormindo. Minha avó perdeu o sono de medo de vir a saber que um de seus cinco filhos homens fora queimado pela esposa. Levava tudo que se dizia a ela a “ferro e a fogo”, e não adiantou minha tia jurar que era só uma brincadeira boba.
Em uma das poucas visitas que fez à minha casa, em meus tempos de menino, minha mãe deixou queimar o feijão e serviu o almoço sem ele. Ela viu a mesa do almoço, farta e variada, mas sem feijão naquele dia, e anos depois ainda perguntava à minha mãe:
- Você ainda cria os meninos sem feijão, Tereza?
E adiantava dizer que fora só naquele “fatídico” dia?
Aos seis anos de idade dormi na casa dela, no sofá e sozinho na sala, logo depois do velório de meu avô. Claro que à noite fiquei com medo e chorei até que me pusessem mais perto de alguém. Claro que em minha imaginação infantil o meu avô ainda viria bater um papinho comigo mesmo depois de enterrado.
Já servindo o Exército, com os meus dezenove anos, fui à casa de minha tia, com quem minha avó morava, e ali fiquei preso por um temporal tremendo. Minha tia sugeriu que eu dormisse lá, mas minha avó foi contra:
- É melhor ele pegar um táxi. Ele chora de noite.
Naquela noite eu chorei. Mas foi de tanto rir.
Amabilíssima, sempre tinha uma frase carinhosa para cada neto. Um dia reparou em meu irmão caçula, um garoto que todo mundo dizia ser muito bonito “apesar de levado demais”, e disse tranqüilamente à minha mãe:
- Tereza, esse seu menino é tão feio que parece um macaco.
Minha mãe, com sua característica fleuma mineira, respondeu tranqüilamente:
- É o que mais puxou a família do pai.
A velha ficou possessa.
Certa vez, a caminho de Ouro Preto com o meu irmão do meio, meu pai teve a idéia de buscar sua mãe, de convidá-la para dar um passeio até a cidade histórica da qual ela dizia gostar muito “apesar de lá só ter velharias”.
- Faz isso não, pai. A vó é o maior pé-frio.
Meu pai ficou bravo de verdade, foi buscar a mãe e saíram os três no carro que estava com todos os pneus novos, recém-comprados.
Tiveram que parar seis vezes para trocar pneus furados! E meu irmão quase chorava de raiva a cada vez por se ver, sendo o mais jovem, obrigado a fazer as trocas.
Um dia dissemos a ela que iríamos a passeio até Andrelândia, lá em Minas mesmo, terra de meu pai, e ela nos encomendou um queijo branco e bem grande, afirmando dezenas de vezes que o tal queijo de lá era inesquecível. Era inesquecível, mas nós esquecemos de comprá-lo e só nos lembramos disso perto já da casa dela. Entramos então em um mercadinho, escolhemos um queijo grande e bem branco. A cada pedaço que ela experimentava voltava a afirmar que queijo igual àquele, "de Andrelândia", não existia no mundo inteiro. E a gente agüentando a vontade de rir...
Quando me casei pela primeira vez ela me prometeu um bom presente. Disse-me que podia lhe cobrar a qualquer altura, menos naquele dia.
Alguns anos depois, mesmo com minhas cobranças na base da brincadeira, nada de presente. E eu sabia que ela fazia crediários altos para dar jóias às netas prediletas e aos netos com os quais vivia. Cobrava-lhe o presente só para chateá-la. Um dia uma amiga a visitou e levou consigo uma mala enorme de agasalhos que acabara de trazer dos Estados Unidos. Minha avó convidou-me a vê-los e eu escolhi os cinco que achei mais bonitos. Um dinheirão. Guardei os agasalhos na sacola que a mulher me deu e fui me despedindo. Minha avó ficou preocupada:
- Quando é que você vai pagar os agasalhos, menino?
- Nunca, vó. Aposto que a senhora não vai perder essa chance de me dar aquele presente do casamento, lembra?
Até hoje não sei como os agasalhos foram pagos, mas foram os melhores que já tive.
Juscelino Kubstichek, nosso saudoso e há muito já falecido ex presidente, foi amigo de juventude da família de meu pai. Dava-se muito bem com o pessoal e gostava de almoçar na casa de minha avó, principalmente aos domingos, quando havia a famosa e fartíssima macarronada que ela fazia. Muitos anos depois, já exercendo a Presidência, Juscelino vinha em um carro aberto, em pé e acenando para o povo, quando viu meus avós parados na avenida e, simpático como sempre, disse a eles:
- Dedé, minha querida! Ary, meu caro amigo! Que prazer vê-los! Qualquer dia desses vou dar um jeito de ir à casa de vocês matar as saudades daquela macarronada...
Minha avó não deixou que completasse a frase:
- Não vai não senhor. Enquanto você for presidente não me apareça lá, que eu não quero ninguém me chamando de puxa-saco.
E JK não foi mesmo.
Creio que minha avó morreu há já uns vinte anos, mas é difícil esquecê-la.
Os filhos tinham verdadeira adoração por ela.