A vida ideal

Um dia ouvi de um conhecido a exclamação de que havia "alcançado tudo que sempre sonhou na vida" ... ora, como isso era possível se o cidadão tampouco tinha onde deitar depois de morto? Pensei em voz baixa.

Enquanto ouvia vagamente risadas ao fundo e um sem número de buzinas de carros e latidos de cachorros misturados ao choro de crianças, me pus a repassar secretamente a vida do meu companheiro de prosa.

- Carro do ano? Ele nunca sequer dirigiu um.

- Casa dos sonhos? Ele nunca sequer havia entrado em uma.

- Realização profissional? Impossível, seu emprego garantia a sobrevivência.

- Sorte no amor? De maneira alguma, recém acabara de se divorciar pela 3ª vez.

Não me contive em minha solidão de raciocínio e perguntei: "O que é seu ideal de vida dos sonhos"? E a resposta veio tranquila, depois de uma pigarreada e um gole de cerveja barata.

"É bem verdade que não possuo o carro do ano, mas do que adiantaria tê-lo se ao fim de um ano seria tão velho quanto os outros? Não possuo a casa dos deuses, mas o conforto do meu puxadinho não é obra de engenheiro. Meu salário é suficiente as minhas necessidades e estou sempre aberto a novos relacionamentos. É bem verdade que poderia ter muito mais do que tenho e talvez terei em toda a vida, mas a insatisfação do querer é um monstro que fulmina nossa realidade e cega nossas perspectivas, a busca desmedida pelo "mais" ignora a equação que nos trouxe até o hoje. Sou feliz porque sei do que preciso para viver e vivo com o que tenho, sem menosprezar minha história e o que me trouxe até aqui".

Nada pude fazer diante de tamanha segurança e satisfação em viver, apenas pedi outra cerveja e continuei buscando a felicidade em meio as buzinas, sirenes, ladrar de cães e chorar de crianças.