OU SUBSOLO OU NADA ALÉM DA IGNORÂNCIA
É tão demorado preparar as asas
Que quando estão aptas ao vôo
Já estão vacilantes o suficiente
Para declinar atavicamente
O longo caminho pouco a pouco fadiga
E quando eu aprender a caminhar só
Só caminharei no mesmo círculo
No mesmo ciclo da vida num circo.
O dia aligeira-se numa pressa cada vez mais antecipada tornando obsoleta qualquer forma de ócio. Dostoiévski pergunta se alguem que hipoteticamente sabe que dois mais dois são quatro e sai em busca de encontrar empiricamente e provar sua certeza, então procura nas pontes e prédios e matemáticas e coisas concretas, então tenta confirmar até que consegue, a partir daí, o que ele faz a não ser cair no vazio da certeza? Ele descobre que dois mais dois são quatro e seus amigos não sabem disso e em seguida se colocam em dúvida num boteco embriagados até arrumar problemas e a partir dos problemas terá ocupação pelas próximas semanas até conseguir uma nova ocupação oriunda das incertezas, mas e aquele que tem certeza? Provavelmente quem descobre que dois mais dois são quatro às vezes se coloca na condição de acreditar que possa ser cinco apenas para forçar uma nova ocupação, assim como acreditar em Deus e outros avatares e ninharias, apenas para ter certeza e evitar a ocupação de forçar a força da razão.
Então, há algo de relevante em ter uma consciência consolidada em que nos submetemos às "Memórias do Subsolo" onde o fato de ter a consciência de dois mais dois nos tornam seres diferentes e subterrâneos.
Isso é idiossincrasia subjetiva literária e quase não cabe na vida real. A não ser o fato de eu sentir isso como um peso subjetivo que não afeta ninguém a não ser o próprio ser - eu mesmo. Me recordo novamente de Clarice dando voz à Lori que é a pessoa que se sente o tempo todo e sente a consciência de ser alguem o tempo todo mas não se explica isso de nenhuma forma, nem em Clarice, nem em Memórias.
É apenas aporia.
Fiquei quase dois terços de hora apagando grafite de lápis das paginas de um livro que vendera, gastei quase um terço de borracha e com muito tédio comecei a pensar durante esse tempo de ócio em ocupação, o que é contraditório. Fato é que passei a agradecer por terem riscado o livro quase todo e minhas mãos doíam incessantemente por segurar a borracha. Mas lembrei de Heráclito acerca da permanência da impermanência eterna das coisas. Mas desde que Heráclito disse isso, há mais de dois mil e quinhentos anos, existe corrupção e desigualdade e muitas outras coisas constantes... acho que ele não viveu o suficiente para repensar a afirmação. A afirmação se aplica melhor às águas do rio em que não se pode banhar duas vezes, mas há algo de estrutural no qual a chance de se repetir é sempre permanente. Mudam os locais e mudam as pessoas e mudam as épocas e mudam as circunstâncias mas a arquitetura é sempre a mesma, corroída e impávida e permanente e podre e da qual não sairemos, a arquitetura da destruição do palco do mundo onde observo de um certo subsolo ou esgoto enquanto os que preenchem essa roleta não enxergam nada além da ignorância.