Cheiros e sabores

As coisas antigas de meu pai parecem antigas de mais para mim. Quando ele me fala de sua infância, o tempo parece tão distante! Há 70 anos... Isto sim parece bem antigo, penso eu.

Mas quando fecho os olhos, descubro que a minha infância já parece distante também... Ainda não sou saudosista, não gostaria que o tempo voltasse como às vezes vejo meu pai falar em relação à sua infância. Mas, me delicio com as minhas lembranças, me divirto com elas.

Os cheiros, os sabores perdidos ao longo dos anos por mim vividos, são minhas lembranças prediletas: O sorvete de creme de ovos e o de creme holandês, nunca mais encontrei nem na mais completa sorveteria. Acho que só existiam nos carrinhos dos moleques que passavam aos sábados perto de minha casa, aos gritos de “_Olha o picolé!”

Ainda me lembro do sabor do quebra-queixo que era vendido na porta da escola, por um cara que tinha uma bicicleta vermelha e cuja garupa era o tabuleiro do doce tão cobiçado, servido às tirinhas em um papel de seda branco.

Aniversário? O glacê do bolo era feito em casa, de clara de ovos, açúcar e limão e depois dos parabéns se tomava Grapete e Cruch em copinhos descartáveis de papelão. Ah, o cheiro dos presentes também vem à mente de vez em quando: sabonete Carnaval ou Gessy ou um livro de histórias com o cheiro da papelaria São Paulo, a mais completa cidade.

O suco que se levava para a escola era Q-suco de pacotinho, sabor morango, uva ou groselha e é claro a garrafinha de plástico passava a ter o sabor do suco que por sinal passava a ter o gosto do plástico da garrafinha. Mas a gente nem ligava...

Maçã? Era tão bom o sabor quanto o cheiro da seda azul que a envolvia... Pena que só se comia maçã quando adoecia e nem adiantava fingir, as mães eram craques para medicar doenças imaginárias.

Quantos sabores a infância tinha! Foi preciso passar alguns bons anos para que os descobrisse: Goma de mascar se mastigava até que perdesse o doce, mas o papel era guardado com o eterno cheiro de ping-pong.

Minhas bonecas cheiravam a vinil, meus cadernos e livros tinham o mesmo cheiro da papelaria e armarinhos em que eram adquiridos: Cheiro de livro novo... Ainda conservo a mania de cheirar livros novos, mas não encontrei ainda aquele cheiro...

Piscina só cheirava a cloro, xixi, nem pensar. Todos acreditavam que haviam colocado uma substância na água que a tornaria vermelha caso alguém fizesse xixi nela.

Não havia protetor solar. Haja pele resistente! Mas a praia, além do cheiro de maresia, cheirava também ao óleo bronzeador que vinha em travesseirinhos de origem e cor duvidosas. Eu fritava na areia e ainda conseguia uma corzinha morena avermelhada e um monte de sardas depois de descascar e olha não se ouvia falar em câncer de pele.

Chuva tinha cheiro de terra molhada da horta que se plantava em casa. O vento à tardinha, trazia de casa até a rua onde eu sempre brincava o aroma dos bolinhos de chuva, da pipoca e do puxa-puxa de açúcar queimado que minha preparava como merenda da tarde.

Férias na roça tinham o cheiro e o sabor de manga e de ingá, também cheirava palha de café do paiol, fogão a lenha com espigas de milho assando e café adoçado com rapadura.

Os cabelos? Bem, durante estas férias passavam a cheirar querosene das lamparinas usadas até tarde para fazer sombras na parede com as mãos ou prá contar histórias “verídicas” de mortos que voltaram à vida ou de homens que viravam lobisomens.

Fazer compras de produtos de higiene pessoal na mercearia ou supermercados, não era uma tarefa difícil: Shampoo era só para cabelos normais, secos ou oleosos, e tinham todos os mesmo perfume. Sabonete era Gessy, Carnaval ou Lux, também pareciam ter o mesmo cheiro. Não havia tantas opções, mas quando se pretendia sair mais cheiroso do banho, comprava-se o cheirossíssimo sabonete “Febor”. Quando se saia do banho em dias mais quentes, o ar passava a ter cheiro de talco Tabu ou de água de cheiro de alfazema. Os adultos cheiravam o desodorante Vaness, em spray ou em bastão (cruzes...) . Meu pai pela manhã tinha cheiro de loção após barba de pinho e minha mãe, todas as tardes, cheirava Cachemir Bouquet.

Tênis novo tinha cheiro de Alpargatas, e jeans, tinha que cheirar calça Lee ou US top.

É claro que tinha também cheiros nem tão agradáveis que ficaram na memória como as combinações de Conga e chulé que eram inseparáveis, chiqueiro e curral, carniça e asfalto. E sabores que também não eram tão agradáveis que adultos de minha idade não devem ter esquecido: Leite Magnésia, Emulsão Scott, chá de erva-de-santa-maria, Elixir Paregórico.

Bem voltando a aromas agradáveis, sábados cheiravam a cera misturada com gasolina, bolinhos fritos de polvilho, chá de mate quentinho no frio, cabelos lavados e com creme Sheen do Avon.

Hoje me divirto lembrando sabores e aromas que parecem perdidos no tempo, mas que na verdade estão bem vivos na história construída ao longo da minha vida.

Agora, sabe o que é bom de verdade? Escrever sobre o passado, e poder selecionar só as lembranças que me fizeram feliz e me divertir com estas boas lembranças.

Imaculada
Enviado por Imaculada em 09/10/2016
Código do texto: T5786491
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