Na Jugular - crônica sobre o preconceito.

Você aprende desde sempre que o mundo não vai lhe facilitar nada. Suas fraquezas serão o ponto forte de quem não tem nada de bom. Você cresce aprendendo a ignorar, a engolir sapos, conviver com cobras e matar leões. Descobre que o preto é macaco, que o gordo é baleia e o gay é viado. Uma selva de ofensas! Haverá animais, que incapazes de serem felizes, vão ferir o próximo cravando os dentes no amor-próprio do outro; pois como um ladrão ele quer aquilo que não tem. E a inveja se faz amiga, pois se ele não tem, você também não pode. Então as garras se afiam pra lhe atacar a jugular... Você sempre na defensiva, o mundo é cruel, as pessoas são más, porém você é forte. Sim, você é forte e não pode chorar. Os livros de autoajuda e frases de efeito assim dizem. Mas você chora escondido. Porque as flechas vem de todos os lados... da família, dos amigos, do trabalho, de desconhecidos... algumas intencionais, outras sem dolo. Mas ferem da mesma maneira. Brincadeiras são sérias. E coisas sérias são brincadeiras. Você perdoa, perdoa, perdoa... E convive achando que aquilo que lhe dizem é a verdade! Você não presta porque é gay; não será nada porque é pobre; será bandido porque é preto; é preguiçoso e guloso porque é gordo; mal-amada porque é lésbica; vadia porque é mulher; machista porque é homem; doente porque é magro; inválido porque é velho; e tantos outros preconceitos. Mas sabe que existe o preconceito quem o sente, quem o sofre. Os outros lhe dirão que é capricho seu, que você é birrento pelo universo não atender o simples desejo de ser aceito e respeitado. Os outros querem ser o seu espelho, mas lhe mostrar sempre e apenas seus defeitos, nunca as qualidades. Por que você não alisa o cabelo? Por que não usa aparelho? Porque não emagrece? Por quê? Por quê? Por quê??? Não enlouqueça! É, respire fundo, não se pode fazer nada, coração é terra que ninguém pisa mesmo. Pensamento é algo que ninguém lê. Mas sentimentos são algo que todos têm e deveriam ser levados em conta. E assim vai: às vezes você pensa em desistir. Às vezes você pensa em botar a boca no mundo. Às vezes você nem sabe o que pensar. Você só espera pela utopia de que um dia o mundo vai dá conta de que é mais fácil amar. Enquanto isso a gente se engana achando que o mundo só é insensível, e que ele vai melhorar. No entanto, a esperança dessa vez foi a primeira que morreu.