A BÍBLIA E O REVÓLVER
Naquela manhã, um homem caminhava com sua mochila, trazendo dentro dela o trabalho de Mestrado, para o exame final que se daria em algumas horas.
Após uma noite mal dormida, o café tomado às pressas, seguia em direção ao tão esperado exame, para o qual tanto se preparou.
Mais alguns passos e teria atravessado a avenida que passava por cima do viaduto, naquela manhã de céu limpo.
Surge então, um homem com revolver na mão direita e o indicador da outra mão na direção da sua mochila. Queria tudo de valor material e se não fosse atendido, tiraria sua vida, do qual agora era seu dono. O bandido olhava para vítima com o olhar dominador e via aquele homem que estava assaltando, passivo, atordoado, obedecendo a tudo que sua voz ameaçava.
O que restou àquele homem foi o que vestia menos o par de tênis. Ele ficou estático como não acreditando no que havia acontecido e começou a caminhar desnorteado, sem rumo, atônito.
Pessoas que de longe viam o que estava acontecendo gritavam: “Pega ladrão, chamem a polícia “.
O homem ainda sem reação, perdido em seus pensamentos confusos, continuava a caminhar.
Ao atravessar o viaduto, se deparou com a igreja que havia alguns anos frequentado.
Lembrava-se ainda do número de degraus que teria de subir, dos pesos das várias e imponentes portas das entradas, dos nomes dos homens que ficavam ao lado da entrada de cada uma delas, do amplo espaço com cadeiras, dos decibéis que saiam dos poderosos alto-falantes, de tudo que havia dentro dela.
Lembrava-se também da Bíblia, que pode ser utilizada para fazer o bem ou fazer o mal, dependendo da mão de quem a segura.
Nas suas quase mil interpretações possíveis... Seria Ela uma Torre de Babel?
Nas mãos daqueles que curam, confortam, alimentam... O verdadeiro caminho?
E nas mãos daqueles que de maneira dissimulada só querem enriquecer?
Ah! Estes ele os conhecia bem, estavam ali naquela igreja, se assim, pode-se chamar.
Lembrou-se da “Fogueira Santa”, que normalmente acontecia durante um dia da semana. A propaganda intensa nos meios de comunicação, celulares e redes sociais, trazia para aquele local, pessoas desesperadas, desempregados e de todas as classes sociais a procura da salvação de suas vidas após a morte, no Reino dos Céus.
De um lado, pessoas que se diziam representantes desde Reino, que usavam a Bíblia e como donos das vidas após a morte daqueles que ali frequentavam, faziam ameaças e, as preferidas eram a do dízimo e da oferta.
Ele lembrou-se também daquela amiga que ofertou sua casa, seu carro novo, os brinquedos dos seus filhos... para andar de ônibus, e sofrer todo tipo de privação sem os que estavam do lado de lá lhe pergunta-se se aquilo não faria falta no dia a dia da sua família.
O carro dela era apenas um dos trinta e oito que conseguiam por semana.
Por trás da “Fogueira” só se interessavam em trocar os CPFs daquelas pessoas sofridas pelo CNPJ dos ameaçadores de suas vidas após a morte.
Naquela “Fogueira” nada se queimava, apenas CPFs se transformavam em CNPJ.
Havia uma coisa em comum entre o assaltante e aquele CNPJ, ambos ameaçavam sua vida, o ladrão o ameaçava na Terra e aquele CNPJ o ameaçava após sua morte.
Sendo que o bandido, normalmente recebe o fruto de sua ameaça, uma vez e, o CNPJ o ameaçaria até o fim da tua vida, se dele não tivesse se livrado.
Ambos ameaçavam vidas, prioridade máxima de qualquer ser humano.
Aquele homem continuou caminhando, tentando voltar à rotina da vida, quando alguém veio ao seu encontro com a mochila e o tênis que lhe pertencia.
A poucos passos de encontrá-lo este alguém falou:
Pegamos o ladrão com todos teus pertences.
Aliviado, mas ainda atordoado, agradeceu a esta pessoa que lhe havia resgatado os pertences.
Antes de seguir, parou e olhou para aquela igreja e lembrou que os pertences entregues por aquelas pessoas crédulas aos que se diziam donos de suas vidas... Jamais seriam devolvidos.
ESTA CRÔNICA É DEDICADA A TODOS AQUELES QUE TÊM
“TUDO A PERDER”.