Por que eu me apaixonei por Chico Buarque

Eu tinha 16 anos quando conheci Fernanda e Vanessa e Caroline e Tânia e Maristela e Milena e Gisele e Pâmela e mais uma porção de mulheres que amavam indiscretamente o carioca Chico Buarque. Aos dezesseis anos, li pela primeira vez Budapeste, porque Fernanda me emprestou, dizendo que o personagem principal parecia um pouco comigo. Sorri. Ela disse que eu me apaixonaria também pela literatura dele. Num encontro frustrado, alguns meses depois, com uma japonesa estranha, comprei Leite Derramado numa dessas livrarias dos shoppings da cidade e a essa altura, já estava completamente apaixonado. Não por ela, claro, mas por ele. Quis eternizar nos seus rins a ejaculação literária chamada Chico Buarque. Quis fazer aquela japonesa estranha se deitar e se lembrar de Chico Buarque e pouco me importava qual rumo nosso encontro tomaria. Comprei o livro e o entreguei em suas mãos, torcendo por um segundo encontro, que, é claro, nunca veio. Ela não amava a literatura como eu.

Apaixonei-me por Chico Buarque quando bêbado cheguei a uma livraria e encontrei quatro dos seus livros em promoção. Apaixonei-me por Chico Buarque porque quando eu não queria assistir as aulas de matemática no ensino médio, largava tudo e ia me encontrar com Fernanda – mas Fernanda era dessas mulheres morenas de diálogo adulto e de difícil aproximação. Conseguia, por fim, conversar sobre a vida e sobre os amores e sobre Kant, Nietzsche, Schopenhauer, mas também Vinícius, Bukowski, Drummond e o principal – sobre garotas. Já fiquei cinquenta minutos conversando com Fernanda. Coisa que, certamente, muitos homens jamais conseguirão.

Apaixonei-me por Chico Buarque porque fui levado pela multidão. Eu o aplaudiria de pé. Em conversa com Marina, que julgo não ter ainda aparecido na história, falamos sobre mentes criativas que revolucionam e chacoalham os cantos do pensamento. Esferas da existência em colapso. Gostamos sempre de quem nos apresenta o caos.

Provável que um pouco de encanto tenha realmente se perdido. Nunca conheci ciclana ou fulana que me causasse tanto interesse e furor igual à Fernanda. Num bar de música sertaneja ou naqueles botecos do centro que tocam pagode, você precisa se sentar e beber copiosamente, calado.

Você pode observar as mulheres morenas dançando e ficando levemente alteradas minuto a minuto, mas conversar com elas sobre a ditadura ou sobre o exílio, é de fato, insanidade. Procurar naqueles olhos castanhos e nas coxas reluzentes um pouco de amor e de sensibilidade ao som de João Neto e Frederico é um porre de vodca jogado ao vento.

Há mulheres que amam Caetano e Chico. E há homens que amam mulheres de diálogo expansivo, que amam Gadu, Caetano e Chico. Aos dezesseis anos eu me apaixonei por Chico Buarque e por Fernanda e por mulheres morenas de vestidos estampados que atravessavam a rua. Nunca me esqueci de cada rosto.

De cada esquina. Talvez minha literatura tenha se modificado após ler os quatro romances daquela coleção que comprei num daqueles anúncios de promoção na livraria. Dos amores que perdi e daqueles que conquistei – há a curiosa mania de segurar a literatura pela mão. E de agradecer, dizendo a ela – Chico Buarque, aos dezesseis anos, por tua causa, e por muitas mulheres, eu me apaixonei.

Heitor Henrique.

Heitor Henrique
Enviado por Heitor Henrique em 07/10/2016
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