A sós
-Qual é o alcance das suas profundezas?
Diante daquela pergunta isolada, o vento emaranhando meus cabelos naquele campo aberto repleto de sóis a se pôr, eu simplesmente permaneci parado enquanto ela me olhava pelo canto dos olhos.
Seu olhar guardava uma expressão de encantamento, um receituário dos inúmeros sentimentos que devem guiar a vida humana.
Eu, no entanto, não passava de uma nuvem que se quebra no céu em contato com a intraduzível arte de transformar o horizonte em significados inesgotáveis. O contato com o universo me causa uma sensação de purificação própria dos pássaros.
Eu ainda era capaz de sentir aquela pergunta ecoar por dentro de mim deixando seus rastros e espaços, mas o silêncio parecia ser a resposta mais esclarecedora.
Olhando para trás capaz de ser tomado por todas aquelas marcas de existência deixadas pelo vento e pelo chão verde que se estendia até o horizonte, sinto um vazio por estar sob o teto da minha casa, pois as paredes parecem me enclausurar numa solidão fria, enquanto a solidão ao vento me faz relento e poesia.
Desde então, sempre que olho para o céu, me lembro da pergunta que ela me fizera naquela tarde. Isso não significa que meus dias não sejam inundados por outras tantas perguntas, mas digo que aquela deixara marcas, sobretudo por sua capacidade de ser respondida sem palavras.
Costumo dizer que as perguntas não precisam de respostas - elas se bastam por si mesmas, gerando movimentos vitais -, pois a resposta é proveniente de nossa obstinada vontade de dar fim às coisas, o que nos afasta de quem somos, pois buscamos sentidos, motivos, praticidade.
Quem é você, afinal?
Não duvide: esta pergunta não possui resposta definitiva, sob pena de uma limitação dos nossos infinitos: as arestas da alma, na verdade, não são lineares, são vastidão, são universo, indefinição.
Então, perdido a criar minhas existências sem respostas, indago a mim mesmo o alcance das minhas profundezas. De volta, recebo a mesma pergunta, como se gritasse soltamente a interrogação dentro de um poço, que me retorna o que gritei repetidamente.
Só assim percebo, a sós comigo mesmo, que o alcance das minhas profundezas é a falta que sinto de quem primeiro me fez a pergunta. Só o eco das perguntas consegue medir o alcance das nossas profundezas.
Não fosse a solidão, jamais perceberia que se tratava de uma pergunta de amor que já não espera por uma resposta.
*Texto publicado no dia 6 de outubro no caderno Dmais do Jornal O Diario, de Campos-RJ. Toda quinta, um novo texto.
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